terça-feira, novembro 27, 2018

Infiltrado na Klan, de Spike Lee ****


Pelo meu interesse por cinema e sua história, assisti a “O nascimento de uma nação” (1915) em mais de uma oportunidade. A forma com que estrutura a sua narrativa fez do filme um dos marcos fundadores da linguagem cinematográfica. Nesse sentido, esse aspecto formal e estético da obra dirigida por D.W. Griffith é o que lhe deu uma perenidade histórica e artística. O lado sócio-político da produção é evidentemente repugnante no seu racismo escancarado e na visão histórica distorcida. Confesso, entretanto, que nas oportunidades em que vi o filme esse lado preconceituoso me pareceu algo distanciado, não no sentido de que não houvesse mais racismo no mundo, mas pelo simples fato que o tratamento grotesco oferecido por Griffith soava tão exagerado que parecia não encontrar ressonância tão imediata com os dias de hoje (pelo menos nos períodos em que assisti ao filme). Bem, os fatos dos últimos anos no Brasil e no mundo deixaram bem evidente o meu equívoco nessa apreciação. Assim, não é à toa que Spike Lee cite com tanta frequência “O nascimento de uma nação” em “Infiltrados na Klan” (2018). Na verdade, ele até recorre com lucidez desconcertante aos recursos do falso distanciamento existencial e mesmo no uso de certas estilizações e clichês narrativos para construir uma obra que varia com naturalidade perturbadora entre a farsa e o realismo. O cineasta se utiliza de uma abordagem que em um primeiro momento pode soar como simples maniqueísmos e flertando por vezes com o puro panfletarismo ideológico-racial – as sequências envolvendo reuniões entre os personagens negros (festas, protestos, debates) são tomadas por uma atmosfera que beira a beatitude, enquanto a grande maioria dos brancos são retratados como um bando de caipiras ignorantes e racistas. Aliás, um dos seus grandes trunfos artísticos é como ele trabalha com um detalhismo cênico impressionante e uma brilhante direção de arte de puro imaginário setentista, vide passagens antológicas como o baile na boate do primeiro encontro romântico entre o protagonista Ron Stallworth (John David Washington) e Patrice (Laura Harrier) e as contundentes referências visuais e temáticas com o gênero blackexploitation. Ocorre, entretanto, que esse viés narrativo convencional na forma com que se expõe o bem e o mal, que poderia até soar ingênuo, aos poucos vai adquirindo contornos humanistas mais profundos no momento em que se começa a perceber que o discurso dos antagonistas ganha uma ressonância muito próxima com aquilo que se propaga por teóricos e governos ligados a ultra direita na atualidade, além do roteiro mostrar de maneira crua que não há soluções fáceis ou mágicas para superar um sentimento que está ligado de maneira íntima e direta com os mecanismos de opressão sócio-econômica que dominam o mundo contemporâneo. As assustadoras imagens documentais finais confirmam com devastadora coerência a sombria e pessimista visão de mundo do filme, e reforçam ainda mais a impressão de que “Infiltrado no Klan” é um dos títulos mais expressivos da filmografia de Spike Lee.

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