segunda-feira, novembro 19, 2018

Sueño Florianópolis, de Ana Katz ***1/2


Não consigo escrever sobre “Sueño Florianópolis” (2018) sem fazer referência a uma reminiscência pessoal própria. É que já fui algumas vezes às praias da Armação e do Matadeiro, ambas localizadas na capital catarinense. Vizinhas, o que as liga é uma pequena faixa de mar e pedras, em que a segunda fica mais isolada, não tendo como acessá-la por veículos automotores terrestres. Por pequenas particularidades como essa, quando se chega em Matadeiro a impressão é de um maior isolamento, um contato mais forte com o elemento natureza e que, de certa forma, se entra em uma espécie de universo paralelo. O fato da diretora Ana Katz situar a ação de seu filme nesse microverso, dessa forma, não é gratuita. Mais no início da narrativa, o maduro casal de protagonistas Lucrécia (Mercedes Morán) e Pedro (Gustavo Garzón) menciona que visitara há alguns anos em Florianópolis, em uma fase mais feliz do relacionamento, uma praia mais urbanizada e aburguesada. Agora, na companhia dos filhos já saindo da adolescência e com o casamento em vias de terminar, acabam por cair em um local mais “selvagem”. O simbolismo é simples, quase óbvio, mas é articulado com eficácia e sutileza por Katz. A família aos poucos se deixa envolver por uma atmosfera algo luxuriante e nebulosa – todos parecem confusos e inebriados, ainda que por vezes não admitam claramente seus desejos e medos. Mesmo a abordagem narrativa que se apresenta em um primeiro plano dentro de uma tendência realista em momentos cruciais se contamina por um discreto e desconcertante onirismo. E tudo vai se tornando mais fascinante quanto se percebe que o filme não se preocupa tanto em amarrar as pontas soltas de seu roteiro, preferindo deixar os elementos temáticos ainda mais em abertos, carregando em algumas belas metáforas visuais. A sequência de Lucrécia navegando em um caiaque, por exemplo, tem um desconcertante teor poético. Nesse singular contexto artístico de “Suenõ Florianópolis”, é provável que o nosso imaginário tenha uma outra percepção quando vermos os hermanos partindo para fazer turismo no litoral catarinense.

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