terça-feira, março 26, 2019

A casa de veraneio, de Valeria Bruni Tedeschi ***1/2


As produções francesas “A casa de veraneio” (2018) e “Uma casa à beira-mar” (2017), ainda que aparentemente de forma involuntária, guardam fortes conexões artísticas-existenciais – são obras que partem de início de uma abordagem de caráter intimista ao retratar conturbadas relações familiares e amorosas, mas que aos poucos vão se configurando como sutis alegorias sócio-políticas a retratar a crise moral e ideológica do mundo ocidental contemporâneo. Se o filme de Robert Guédiguian tem uma narrativa de caráter francamente realista, o longa dirigido pela também atriz Valeria Bruni Tedeschi por vezes se permite inserir perturbadores toques oníricos e metafísicos. “A casa de veraneio” tem sua força concentrada em uma encenação vigorosa e em um roteiro repleto de achados de simbologia que variam entre a ironia cortante e a pungência. Se por um lado a trama focaliza as dores sentimentais da protagonista Anna (Tedeschi) e os conflitos repletos de ressentimentos de sua família em uma mansão de veraneio na Côte d’Azur, por outro também revela o cotidiano de exploração e alienação de seus empregados perdidos entre frustrações pessoais e escapadas eróticas. A contraposição entre tais classes sociais parece evocar os jogos sexuais e sardônicos de “A regra do jogo” (1939), clássico do cinema francês. Esse vórtice de desejos e sentimentos é captado por Nathalie (Noémie Lvovsky), uma escritora/roteirista de esquerda convidada na mansão e que é atropelada/tragada por toda essa situação confusa. Se Ana, diretora de cinema, vê todo o caos ao seu redor como fonte de inspiração para seus filmes, refletindo uma postura de egoísmo e até alguma indiferença pelos desdobramentos beirando o trágico de todos esses conflitos, Nathalie procura a reflexão crítica ao observar uma situação que serve como metáfora de uma Europa já desgastada pelos opressivos valores sócio-econômicos neoliberais. Nesse sentido, a presença da filha adotiva negra e africana de Ana na trama está muito longe do gratuita – na sua doçura infantil e mesmo na sua surpreendente lucidez sobre a realidade dos “adultos” que estão à sua volta, fica evidente a projeção de um futuro de renovação para a Europa que passa longe de velhos padrões brancos, colonialistas e patriarcais.

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