As produções francesas “A casa de veraneio” (2018) e “Uma
casa à beira-mar” (2017), ainda que aparentemente de forma involuntária,
guardam fortes conexões artísticas-existenciais – são obras que partem de
início de uma abordagem de caráter intimista ao retratar conturbadas relações
familiares e amorosas, mas que aos poucos vão se configurando como sutis
alegorias sócio-políticas a retratar a crise moral e ideológica do mundo
ocidental contemporâneo. Se o filme de Robert Guédiguian tem uma narrativa de
caráter francamente realista, o longa dirigido pela também atriz Valeria Bruni
Tedeschi por vezes se permite inserir perturbadores toques oníricos e
metafísicos. “A casa de veraneio” tem sua força concentrada em uma encenação
vigorosa e em um roteiro repleto de achados de simbologia que variam entre a
ironia cortante e a pungência. Se por um lado a trama focaliza as dores
sentimentais da protagonista Anna (Tedeschi) e os conflitos repletos de
ressentimentos de sua família em uma mansão de veraneio na Côte d’Azur, por
outro também revela o cotidiano de exploração e alienação de seus empregados
perdidos entre frustrações pessoais e escapadas eróticas. A contraposição entre
tais classes sociais parece evocar os jogos sexuais e sardônicos de “A regra do
jogo” (1939), clássico do cinema francês. Esse vórtice de desejos e sentimentos
é captado por Nathalie (Noémie Lvovsky), uma escritora/roteirista de esquerda
convidada na mansão e que é atropelada/tragada por toda essa situação confusa.
Se Ana, diretora de cinema, vê todo o caos ao seu redor como fonte de
inspiração para seus filmes, refletindo uma postura de egoísmo e até alguma
indiferença pelos desdobramentos beirando o trágico de todos esses conflitos,
Nathalie procura a reflexão crítica ao observar uma situação que serve como
metáfora de uma Europa já desgastada pelos opressivos valores sócio-econômicos neoliberais.
Nesse sentido, a presença da filha adotiva negra e africana de Ana na trama
está muito longe do gratuita – na sua doçura infantil e mesmo na sua surpreendente
lucidez sobre a realidade dos “adultos” que estão à sua volta, fica evidente a
projeção de um futuro de renovação para a Europa que passa longe de velhos
padrões brancos, colonialistas e patriarcais.
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