Desde que se convencionou como gênero cinematográfico, a
pornografia, na grande maioria de suas produções, tem como pilares
estéticos-existenciais pelos menos dois grandes princípios – suas coreografias
eróticas visam satisfazer desejos e fantasias eminentemente masculinas e aquilo
que se poderia entender como roteiro na verdade seria mero pretexto para várias
sequências de sexo explícito. Em “As filhas do fogo” (2018), a diretora
argentina Albertina Carri brinca e subverte com tais fundamentos na forma com
que articula a sua narrativa. Não se trata de uma obra essencialmente
pornográfica, mas sim de um drama político-existencial de questionamento do
patriarcalismo e de exposição/valorização do prazer feminino que incorpora
elementos da pornografia. Há um senso de presença de trama, com essa,
entretanto, se esvanecendo aos poucos, sem a necessidade de existência dos
mecanismos convencionais da escrita para cinema, para que o filme se converta
em um fluxo sensorial de erotismo, poesia, ensaio filosófico/visual e onirismo.
Ou seja, o roteiro que se submete aparentemente ao furor erótico e libertário de
transas homoeróticas femininas. O fato de uma das personagens principais ser
uma cineasta acentua ainda mais a impressão de uma obra de caráter artístico
que beira o metalinguístico na forma com que expõe seus questionamentos
temáticos e os seus dilemas estéticos. A grande quantidade e variedade de
sequenciais de sexo não implica em uma saturação dos sentidos, mas sim na
configuração da possibilidade de amplitude dos papeis sexuais nessas relações
sentimentais-carnais (ativo e passivo, dominador e dominado, feminilizado e
masculinizado). No choque de preceitos de gêneros cinematográficos distintos a
sensação primordial é de que a narrativa se quebra e se torna uma estrada que
nunca termina, sem a necessidade de uma conclusão moralizante ou uma solução
final para as suas personagens. Bastam que elas existam e transem para
sempre...
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