quinta-feira, março 28, 2019

As filhas do fogo, de Albertina Carri ***1/2


Desde que se convencionou como gênero cinematográfico, a pornografia, na grande maioria de suas produções, tem como pilares estéticos-existenciais pelos menos dois grandes princípios – suas coreografias eróticas visam satisfazer desejos e fantasias eminentemente masculinas e aquilo que se poderia entender como roteiro na verdade seria mero pretexto para várias sequências de sexo explícito. Em “As filhas do fogo” (2018), a diretora argentina Albertina Carri brinca e subverte com tais fundamentos na forma com que articula a sua narrativa. Não se trata de uma obra essencialmente pornográfica, mas sim de um drama político-existencial de questionamento do patriarcalismo e de exposição/valorização do prazer feminino que incorpora elementos da pornografia. Há um senso de presença de trama, com essa, entretanto, se esvanecendo aos poucos, sem a necessidade de existência dos mecanismos convencionais da escrita para cinema, para que o filme se converta em um fluxo sensorial de erotismo, poesia, ensaio filosófico/visual e onirismo. Ou seja, o roteiro que se submete aparentemente ao furor erótico e libertário de transas homoeróticas femininas. O fato de uma das personagens principais ser uma cineasta acentua ainda mais a impressão de uma obra de caráter artístico que beira o metalinguístico na forma com que expõe seus questionamentos temáticos e os seus dilemas estéticos. A grande quantidade e variedade de sequenciais de sexo não implica em uma saturação dos sentidos, mas sim na configuração da possibilidade de amplitude dos papeis sexuais nessas relações sentimentais-carnais (ativo e passivo, dominador e dominado, feminilizado e masculinizado). No choque de preceitos de gêneros cinematográficos distintos a sensação primordial é de que a narrativa se quebra e se torna uma estrada que nunca termina, sem a necessidade de uma conclusão moralizante ou uma solução final para as suas personagens. Bastam que elas existam e transem para sempre...

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