Um diretor francês faz uma reconstituição audiovisual do
percurso de um escritor alemão que veio ao Brasil e tentou se encontrar
pessoalmente com o mestre da bossa nova João Gilberto. A premissa da trama do
roteiro do documentário “Onde está você, João Gilberto?” (2018) pode fazer parecer
que a produção dirigida por Georges Cachot se trata apenas de mero exotismo ou
excentricidade cômica. Com o desenrolar da narrativa, entretanto, o filme vai
adquirindo de maneira sutil contornos mais sombrios e misteriosos. Até porque
logo no início se fica sabendo que Marc Fischer, o mencionado escritor
germânico, acabou por cometer suicídio pouco depois de concluir o livro em que
narrava a sua busca infrutífera por um encontro com seu ídolo musical. A
motivação de livro e filme em suas respectivas buscas é a arte serena e
sofisticada perpetrada pelo músico baiano, mas o resultado final da produção é
bem distante dessa leveza artística. O que fica evidente em cena é um estudo algo
perturbador sobre a obsessão doentia em vários de seus níveis, indo do desejo
exagerado de Fischer e Cachot em ver de perto João Gilberto até o comportamento
beirando maníaco do cantor e violinista em manter a sua privacidade a qualquer
custo. No processo, o filme acaba fazendo uma espécie de inventário existencial/artístico
da bossa nova e seus desdobramentos ao juntar depoimentos e números musicais de
alguns dos principais personagens do movimento como Marcos Valle, João Donato e
Miúcha, com destaque para a entrevista com Roberto Menescal, quando esse
descreve João Gilberto como uma fonte de negativismo com suas manias e
esquisitices a obrigar aqueles que estão à sua volta a lhe obedecerem de
maneira quase incondicional. Diante de uma procura que vai se tornando cada vez
mais sem saída, Cachot perverte a própria obra, que em seus momentos finais
abandona o puro cinema verdade e adquire o formato de uma encenação a refletir
um desejo que nunca sairá do plano platônico (ou dos sonhos?).
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