Toda a carreira artística do diretor norte-americano Orson
Welles se pautou em uma fascinante tensão criativa entre um lado classicista em
termos formais e um forte fator de inovações e experimentação de linguagem
cinematográfica. “O outro lado do vento” (2018), seu filme “perdido” lançado
recentemente, é uma extensão dessa marca autoral do cineasta, assim como
reflete estética e existencialmente a época em que foi realizado (os anos
70). Naquela década, Welles já se
encontrava distante dos grandes estúdios e tinha dificuldades para concluir
seus projetos em função de dificuldades econômicas. Ao mesmo tempo, era uma
época em que o cinema norte-americano passou por profundas transformações
provocadas pelos egressos da Nova Hollywood (um deles, Peter Bogdanovich, tem
importante participação no resultado final de “O outro lado do vento”). Também
foi um tempo em que o cinema exploitation se encontrava em voga nas telas pelo
mundo inteiro. “O outro lado do vento” é síntese de todas essas características
e dilemas artísticos do período com a notória e indelével veia autoral de
Welles. A narrativa é fragmentada, a fotografia se sobressai pela estilização, há
várias cenas marcadas por sexo e violência e o roteiro tem um subtexto
intrincado e que flerta com a metalinguagem e o autobiográfico, e tudo isso é
filtrado pelo barroquismo muito particular do diretor. É Welles se mostrando
atento às principais tendências formais e temáticas da época, mas as manipulando
com radical ousadia e entregando um resultado final desconcertante e memorável.
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