Depois de passar quase duas décadas envolvido com produções
dentro do gênero fantástico (onde foi muito bem-sucedido, por sinal), o diretor
mexicano Alfonso Cuarón volta a trabalhar na linha do drama que alia intimismo
e temática social, na intenção de formar uma espécie de panorama
sócio-político-existencial do seu país. Se em “E sua mãe também” (2001) ele
focava o seu olhar nos preconceitos e desventuras afetivas da classe média alta,
em “Roma” (2018) a trama se concentra de maneira mais aguda na rotina dos
desfavorecidos social e economicamente, mais especificamente dos descendentes
indígenas, ainda que haja a presença forte do quotidiano de uma família
pequeno-burguesa. Para isso, Cuarón aposta em uma fórmula narrativa de talhe
clássico – direção de fotografia de tons que beiram o épico, edição de ritmo
sereno e atmosfera de sobriedade emocional (ainda que o roteiro tenha fortes
pendores sentimentais). Nessa rigorosa concepção estética-temática, o que tinha
tudo para cair no melodrama excessivo acaba se configurando em um impiedoso retrato
da injustiça social, da alienação política e dos conflitos de classe. O
esmerado trabalho imagético e a sutileza da encenação realçam de maneira
contundente os sentimentos de opressão, exploração e desesperança que rondam o
dia-a-dia da protagonista Cleo (Yalitza Aparício), sem que ela mesmo perceba
com clareza tudo que se passa com ela. Cuarón não busca soluções fáceis para os
dilemas da trama e nem ameniza o seu formalismo angustiante para tornar as
coisas palatáveis para o espectador. Pelo contrário – a meia-hora final de “Roma”
dispensa a idealização banal de uma conciliação ilusória entre os seus atores
sociais, enfatizando ainda mais a crueldade e hipocrisia de uma sociedade
patriarcal-cristã-capitalista em relação às camadas mais humildes e a
incapacidade dessas em se revoltar de maneira efetiva contra quem lhes impõe
condições degradantes de vida.
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