terça-feira, outubro 06, 2015

La Sapienza, de Eugène Green ****

As primeiras cenas de “La Sapienza” (2014) são bastante reveladoras do estilo do diretor francês Eugène Green: complementadas por uma narração over de impessoal tom discursivo do protagonista Alexandre Schmid (Fabrizio Rongione), há registros panorâmicos de prédios parisienses. O teor didático a expor detalhes arquitetônicos dá um certo tom de frieza e assepsia tanto para o personagem em si, um arquiteto premiado, como para a própria abordagem formal de Green. Mas essas sequencias iniciais também tem um caráter enganador para a obra. Com o desenrolar da narrativa, o filme vai ganhando um caráter de conto moral com traços metafísicos. Dentro dessa lógica, é fundamental a rigorosa caracterização de personagens e situações concebidas por Green. Logo que Alexandre e sua esposa Aliénor (Christelle Prot) chegam à Itália e conhecem um misterioso casal jovem de irmão e irmã, a trama passa a adquirir de forma sutil uma conotação mais ambígua. Dentro das concepções artísticas de Green, mais importante que o realismo na encenação está a expressividade visual e textual da obra. Para isso, ele se vale de uma estética anti-naturalista, cujos maneirismos imagéticos e de interpretação dos atores valorizam detalhes cênicos e dos diálogos, além de excertos estilizados de literatura e pintura que se incorporam dentro da narrativa com fluidez e naturalidade. Os belíssimos cenários naturais e de construções como castelos, igrejas e outros prédios seculares não ganham apenas uma função decorativa, mas também são quase como personagens próprios que interagem com o sentido existencial da obra. A disposição cênica dos principais personagens funciona como uma complementação icônica dentro de enquadramentos que simulam verdadeiros afrescos. A equação artística proposta por Green é engenhosa e severa em suas diversas nuances, fazendo com que uma estética que beira o barroco interaja de forma intrínseca e coerente com um conteúdo repleto de simbologias entre o fabular e o religioso. Diante de tais soluções estéticas e temáticas, é como se estivéssemos diante de uma releitura vigorosa e autoral do cinema ascético de Robert Bresson.

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