As primeiras cenas de “La Sapienza” (2014) são bastante
reveladoras do estilo do diretor francês Eugène Green: complementadas por uma
narração over de impessoal tom discursivo do protagonista Alexandre Schmid
(Fabrizio Rongione), há registros panorâmicos de prédios parisienses. O teor
didático a expor detalhes arquitetônicos dá um certo tom de frieza e assepsia
tanto para o personagem em si, um arquiteto premiado, como para a própria
abordagem formal de Green. Mas essas sequencias iniciais também tem um caráter
enganador para a obra. Com o desenrolar da narrativa, o filme vai ganhando um
caráter de conto moral com traços metafísicos. Dentro dessa lógica, é
fundamental a rigorosa caracterização de personagens e situações concebidas por
Green. Logo que Alexandre e sua esposa Aliénor (Christelle Prot) chegam à
Itália e conhecem um misterioso casal jovem de irmão e irmã, a trama passa a
adquirir de forma sutil uma conotação mais ambígua. Dentro das concepções
artísticas de Green, mais importante que o realismo na encenação está a
expressividade visual e textual da obra. Para isso, ele se vale de uma estética
anti-naturalista, cujos maneirismos imagéticos e de interpretação dos atores
valorizam detalhes cênicos e dos diálogos, além de excertos estilizados de
literatura e pintura que se incorporam dentro da narrativa com fluidez e
naturalidade. Os belíssimos cenários naturais e de construções como castelos,
igrejas e outros prédios seculares não ganham apenas uma função decorativa, mas
também são quase como personagens próprios que interagem com o sentido
existencial da obra. A disposição cênica dos principais personagens funciona
como uma complementação icônica dentro de enquadramentos que simulam
verdadeiros afrescos. A equação artística proposta por Green é engenhosa e
severa em suas diversas nuances, fazendo com que uma estética que beira o barroco
interaja de forma intrínseca e coerente com um conteúdo repleto de simbologias
entre o fabular e o religioso. Diante de tais soluções estéticas e temáticas, é
como se estivéssemos diante de uma releitura vigorosa e autoral do cinema ascético
de Robert Bresson.
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