Os prêmios e os inflamados
elogios de boa parte da crítica que a produção russa “Leviatã” (2014) ganhou ao
redor do mundo são até compreensíveis. Apesar da estrutura narrativa convencional
e rigorosa de melodrama, o filme dirigido por Andrey Zvyagintsev é uma crítica
severa e inclemente contra a desumanização e degradação existencial promovida
pelo avanço global de um capitalismo selvagem e agressivo através da história
simbólica do veterano pescador Kolia (Alekesey Serebryakov) que tem a sua vida
familiar e profissional destroçada pelas maquinações do poder público corrupto
de sua cidade e interesses comerciais de grandes corporações. O mote do roteiro
pode parecer manjado, mas são em alguns detalhes estéticos e temáticos que a
obra de Zvyasintsev se diferencia do lugar comum. Para começar, a
caracterização emocional concebida pelo cineasta é áspera e sem concessões – a trajetória
de Kolia é uma descida vertiginosa num pesadelo burocrático e pessoal. Ainda
que a ambientação e encenação tenham forte caráter naturalista, a impressão
sensorial da obra é de uma descida ao inferno. Pela trama, há determinados
momentos que corresponderiam àquelas “viradas” de história em que os “mocinhos”
começariam a dar a volta por cima, mas acaba sendo um truque perverso do
roteiro justamente para enfatizar o lado da inevitabilidade do destino quando
forças poderosas econômicas e políticas, com apoio inclusive das instituições
religiosas, se voltam contra um indivíduo comum. Por vezes, a conturbada
derrocada de Kolia evoca uma atmosfera kafkaniana, mas os motivos que levam ao
debacle do personagem estão longe de serem absurdos e inexplicáveis.
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