A parceria do diretor e montador Eduardo Escorel com João
Moreira Salles nos documentários “Santiago” (2007) e “No intenso agora” (2016),
em que Escorel foi responsável pela edição, parece ter deixado influências expressivas
em “Imagens do Estado Novo – 1937 a 1945” (2016). Assim como nos filmes
citados, há a presença decisiva em termos artísticos e existenciais de uma voz
narradora que expressa um aparente e desconcertante distanciamento emocional.
Nesse contexto, o conjunto voz e imagens afasta o filme do mero registro
histórico-jornalístico (ainda que o filme traga um riquíssimo acervo de imagens
e informações). Para Escorel, o que interessa é colocar em prática em
contundente exercício dialético na contraposição entre o discurso e os fatos.
Na narrativa, há um embate constante entre a grande profusão de filmagens de
origem oficial, ou seja, proveniente de fontes institucionais do governo do
período em questão, com oportunas filmagens de época oriundas de registros de
famílias, propagandas comerciais, longas-metragens de ficção e matérias
jornalísticas, tudo temperado pelos comentários sócio-políticos da mencionada
voz narradora. Nessa síntese entre a ambientação pública do Estado Novo com a
história da vida privada, prevalece uma certa visão ambígua sobre os reais
significados da passagem de Getúlio Vargas como o líder totalitário de uma
nação. Ao mesmo tempo que há uma pouca disfarçável repulsa por atos e medidas
autoritárias e repressivas do governo, há também o reconhecimento por uma postura
sócio-econômica até então inédita de construção de um projeto de nação e também
pela atenção às condições de vida do trabalhador popular. A ambiguidade da
abordagem também se faz necessária diante das contradições nas atitudes das
autoridades, políticos e cidadãos na época do Estado Novo. Nesse sentido, o
ponto da narrativa que melhor deixa claro esse direcionamento de Escorel é a
postura de Vargas, militares e da própria sociedade brasileira diante da
situação em que o país deveria escolher de que lado ficar na Segunda Guerra
Mundial, dos aliados ou do Eixo – o que hoje soaria como uma opção
inquestionável em termos morais na época se mostrou como um dilema político de
resolução tortuosa e complexa. As opções narrativas e intelectuais de Escorel
em “Imagens do Estado Novo” têm justamente como principal mérito a valorização
das complexidades daquele contexto espaço-temporal sem apelar para maniqueísmos
simplórios e equivocados, procurando ressaltar as singularidades de uma nação e
seu povo, evidenciando que escolhas e rumos tomados à época reverberam até os
dias de hoje, constatação essa reforçada pelo duríssimo epílogo do
documentário.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
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