segunda-feira, abril 02, 2018

Zama, de Lucrecia Martel ****


Pode-se dizer em um primeiro momento, e mesmo em um olhar mais apressado, que “Zama” (2017) representa mais uma vez o olhar típico do homem branco colonizador diante de uma terra dita estranha e selvagem. Afinal, esse é justamente o perfil do protagonista-título (Daniel Giménez Cacho). Ao mesmo tempo, entretanto, não dá para dizer que a diretora Lucrecia Martel se limita a uma caracterização simplória desse homem que é o opressor e daqueles que seriam os colonizados e mesmo também daqueles que estariam nos estratos mais baixos da sociedade colonial da América Latina do século XVIII. Na verdade, é como se Martel expusesse em sua obra um inclemente e irônico olhar artístico-existencial sobre a formação sócio-política-cultural de um povo que levou a essa disfuncional sociedade contemporânea de terceiro mundo que vivemos, ainda que perpassada pela perspectiva pessoal de Zama. Nesse conceito, a própria aparente “realidade” se fratura em planos narrativos distintos – se por um lado a abordagem estética obedece a um rigoroso caráter realista, vide uma encenação naturalista e uma direção de arte marcada por uma reconstituição de época “suja”, em outros momentos a narrativa ganha contornos entre o delirante e o metafísico. Dentro dessa intrincada concepção formal-temática, Martel articula uma obra fascinante que sintetiza com maestria beleza imagética desconcertante, sensualidade sombria, perturbadora violência gráfica e sensorial, rarefeita narrativa de aventura e cenários naturais que parecem pertencer a um universo paralelo.

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