Pode-se dizer em um primeiro momento, e mesmo em um olhar
mais apressado, que “Zama” (2017) representa mais uma vez o olhar típico do
homem branco colonizador diante de uma terra dita estranha e selvagem. Afinal,
esse é justamente o perfil do protagonista-título (Daniel Giménez Cacho). Ao
mesmo tempo, entretanto, não dá para dizer que a diretora Lucrecia Martel se limita
a uma caracterização simplória desse homem que é o opressor e daqueles que
seriam os colonizados e mesmo também daqueles que estariam nos estratos mais
baixos da sociedade colonial da América Latina do século XVIII. Na verdade, é
como se Martel expusesse em sua obra um inclemente e irônico olhar
artístico-existencial sobre a formação sócio-política-cultural de um povo que
levou a essa disfuncional sociedade contemporânea de terceiro mundo que vivemos,
ainda que perpassada pela perspectiva pessoal de Zama. Nesse conceito, a
própria aparente “realidade” se fratura em planos narrativos distintos – se por
um lado a abordagem estética obedece a um rigoroso caráter realista, vide uma
encenação naturalista e uma direção de arte marcada por uma reconstituição de
época “suja”, em outros momentos a narrativa ganha contornos entre o delirante
e o metafísico. Dentro dessa intrincada concepção formal-temática, Martel
articula uma obra fascinante que sintetiza com maestria beleza imagética
desconcertante, sensualidade sombria, perturbadora violência gráfica e
sensorial, rarefeita narrativa de aventura e cenários naturais que parecem
pertencer a um universo paralelo.
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