segunda-feira, abril 23, 2018

O dia depois, de Hong Sang-soo ****


A ordenação cronológica das situações da trama em “O dia depois” (2017) não obedece a uma ordem linear. Nada, entretanto, que torne o entendimento das situações do roteiro confuso para o espectador. Na realidade, essa opção artística do diretor sul-coreano se vincula ao próprio sentido existencial que o cineasta quer dar para sua obra. As idas e vindas temporais evidenciam o caráter narcisista e algo patético do protagonista Kim Bongwan (Hae-hyo Kwon) diante os descaminhos de sua vida sentimental. A forma com que o personagem se relaciona com as mulheres que o rodeiam (esposa, amante, empregada), enredando-as em uma teia de mentiras e manipulações, revela com sutileza os próprios mecanismos de dominação machista na sociedade contemporânea. Esse drama intimista vai se formatando de maneira insólita dentro dos preceitos narrativos de uma comédia de erros. Hong Sang-soo se vale de seus habituais truques estéticos com precisão e sensibilidade impressionantes, trocando cortes óbvios da montagem por longos planos-sequência de leves zigue-zagues no movimento da câmera e valorizando uma encenação que privilegia intensos e desconcertantes diálogos. Estão lá também em “O dia depois” as recorrentes, filmografia do diretor, cenas de conversas à mesa, onde se tem a constatação que as efetivas viradas dramáticas da história e as contundentes verdades de seus personagens se explicitam com crueza e lirismo perturbadores.

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