quarta-feira, abril 04, 2018

Twin Peaks: O retorno, de David Lynch ****


Na maioria dos episódios de “Twin Peaks: O retorno” (2017), a conclusão se dá em um bar de meio de estrada, onde alguma banda, cantor ou cantora toca algum número de rock ou folk, sempre sobre um contexto de forte estilização visual e de atmosfera, com uma plateia cujo comportamento oscila entre a dança, o olhar atento, a bebedeira, brigas e flertes. Em termos de imaginário coletivo cultural, nada mais norte-americano. Em boa parte da filmografia do diretor David Lynch prevaleceu justamente essa recriação particular e surreal dos desejos, obsessões e perversões das mentes de seus conterrâneos (e, por tabela, do homem ocidental moderno). Esse novo capítulo da saga existencial-metafísica do agente Dale Cooper (Kyle MacLachlan) para desvendar os segredos e mistérios que envolvem a morte de Laura Palmer (Sheryl Lee) radicaliza esses preceitos artísticos de Lynch, indo ainda mais longe nas rupturas lógicas e narrativas que o cineasta tinha evidenciado em “A estrada perdida” (1997), “Cidade dos sonhos” (2001) e “Império dos sonhos” (2006). Em “Twin Peaks”, a fratura dos planos dimensionais da realidade e do fantástico fica exposta de vez e joga o espectador em um vórtice sensorial em que o ridículo e o absurdo ganham uma bizarra coerência, ainda que permaneçam sempre desconcertantes. Nessa abordagem, diversos gêneros se fundem como se sempre tivessem sido uma coisa só – melodrama familiar, ficção científica, horror, comédia pastelão e policial com toques noir – fazendo com que Lynch brinque com diversos recursos narrativos e visuais de maneira despudorada e genial, indo de efeitos especiais típicos do cinema mudo até trucagens baratas de terror B. As sensações para essa montanha russa estética são variadas, com escalas que vão do cômico ao francamente assustador. Lendas, fábulas, mentiras, idealizações, sonhos e até alguns fatos reais que fascinaram gerações e mais gerações nas últimas décadas são reprocessadas dentro de um conceito autoral perturbador. O mundo adquire um sentido inesperado e para a história que é contada, no final das contas, torna-se até dispensável uma conclusão. Lynch não sente necessidade em amarrar todas as pontas, na realidade tudo permanece ainda mais confuso e fascinante do que era no início. Tendo ou não mais uma temporada, “Twin Peaks” sempre permanecerá como um maravilhoso e insondável livro em aberto.

Nenhum comentário: