Na maioria dos episódios de “Twin Peaks: O retorno” (2017),
a conclusão se dá em um bar de meio de estrada, onde alguma banda, cantor ou
cantora toca algum número de rock ou folk, sempre sobre um contexto de forte
estilização visual e de atmosfera, com uma plateia cujo comportamento oscila
entre a dança, o olhar atento, a bebedeira, brigas e flertes. Em termos de
imaginário coletivo cultural, nada mais norte-americano. Em boa parte da
filmografia do diretor David Lynch prevaleceu justamente essa recriação
particular e surreal dos desejos, obsessões e perversões das mentes de seus
conterrâneos (e, por tabela, do homem ocidental moderno). Esse novo capítulo da
saga existencial-metafísica do agente Dale Cooper (Kyle MacLachlan) para
desvendar os segredos e mistérios que envolvem a morte de Laura Palmer (Sheryl
Lee) radicaliza esses preceitos artísticos de Lynch, indo ainda mais longe nas
rupturas lógicas e narrativas que o cineasta tinha evidenciado em “A estrada
perdida” (1997), “Cidade dos sonhos” (2001) e “Império dos sonhos” (2006). Em “Twin
Peaks”, a fratura dos planos dimensionais da realidade e do fantástico fica
exposta de vez e joga o espectador em um vórtice sensorial em que o ridículo e
o absurdo ganham uma bizarra coerência, ainda que permaneçam sempre
desconcertantes. Nessa abordagem, diversos gêneros se fundem como se sempre
tivessem sido uma coisa só – melodrama familiar, ficção científica, horror,
comédia pastelão e policial com toques noir – fazendo com que Lynch brinque com
diversos recursos narrativos e visuais de maneira despudorada e genial, indo de
efeitos especiais típicos do cinema mudo até trucagens baratas de terror B. As
sensações para essa montanha russa estética são variadas, com escalas que vão
do cômico ao francamente assustador. Lendas, fábulas, mentiras, idealizações,
sonhos e até alguns fatos reais que fascinaram gerações e mais gerações nas
últimas décadas são reprocessadas dentro de um conceito autoral perturbador. O
mundo adquire um sentido inesperado e para a história que é contada, no final
das contas, torna-se até dispensável uma conclusão. Lynch não sente necessidade
em amarrar todas as pontas, na realidade tudo permanece ainda mais confuso e
fascinante do que era no início. Tendo ou não mais uma temporada, “Twin Peaks”
sempre permanecerá como um maravilhoso e insondável livro em aberto.
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