quarta-feira, abril 18, 2018

Severina, de Felipe Hirsch ***


Você já foi ao bairro Cidade Velha em Montevidéu? Na capital uruguaia, talvez seja o local mais importante em termos históricos, turísticos e culturais. Há um número considerável de pequenos museus e livrarias, praças, igrejas, restaurantes, além do Mercado do Porto. Por mais que haja uma presença de um comércio “moderno” (McDonalds, agências bancárias, lojas de souvenires), também é um lugar que dá uma certa impressão de ter parado no tempo, tanto pelo aspecto óbvio da grande maioria dos prédios ser de construções bem antigas como pelo fato que não há aquela preocupação em deixar um visual asséptico para turista ver. Pelo contrário – há bastante pichações, a pintura de algumas casas está envelhecida, por vezes o visual é de pura ruína. Não é à toa que o diretor brasileiro Felipe Hirsch escolheu a Cidade Velha como cenário primordial para a trama de “Severina” (2017). A impressão do bairro como uma localidade fora do tempo e do espaço casa muito bem com a atmosfera entre o realismo melancólico e o delirante que impregna toda a narrativa da obra. Em certos momentos, o roteiro até insere alguns elementos contemporâneos (inclusive, com a menção do golpe jurídico-parlamentar no Brasil), mas o que efetivamente prevalece é a sensação de uma história inserida em um universo paralelo, típica da escola do realismo fantástico tão cara às manifestações artísticas da América Latina. Se tal recurso artístico pode parecer manjado, é verdade também que Hirsch usa tradicionais recursos estéticos e temáticos com sobriedade e precisão. A história do livreiro que se apaixona por uma bela mulher viciada em literatura e em roubar livros vai bem além do mero sentimentalismo romântico, enveredando mais para um lado de perversa ironia e mesmo de morbidez perturbadora. As filmagens preferenciais nos sombrios ambientes fechados de livrarias ou em cenários externos em horas noturnas ou crepusculares acentuam mais a sensação do espectador estar dentro de um tardio e fascinante conto gótico.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Achei um filme gostoso para se assistir