Por mais que o espectador se sinta identificado com algum
aspecto temático de “Benzinho” (2018), tentar enquadrar o filme como um retrato
da sociedade brasileira contemporânea seria algo reducionista. O filme do
diretor Gustavo Pizzi vai bem mais além do que isso. Ele está mais para um
mosaico existencial-sensorial de sentimentos e valores atávicos do ordenamento
ocidental capitalista. Por mais que a protagonista Irene (Karine Teles) e sua
família sejam de classe média baixa, todos os seus dilemas e conflitos dizem
respeito a corresponder aos anseios e desejos de um padrão de vida
pequeno-burguês. Nessa contradição sócio-econômica, é claro que a única coisa
que pode sair é uma perturbadora e constante percepção de algo que está em desiquilíbrio.
A grande sacada estética-narrativa do filme é justamente absorver essa condição
de desiquilíbrio para a sua própria formatação. Se em um primeiro momento a
abordagem da obra é a de teor naturalista, em momentos pontuais e decisivos da
trama fica evidente um tom delirante em sua atmosfera cênica, como se o
aparente realismo se convertesse em um teatro de absurdos do cotidiano,
principalmente quando uma série de situações-limites vão convergindo para uma
possível quebra da psique de Irene. Outra boa solução criativa de Pizzi,
entretanto, é afastar seu filme do previsível melodrama, dando à obra um
caráter entre o irônico e o melancólico, em que os personagens se adaptam e acomodam
com doce-amarga resignação às suas frustrações e perdas. Nessa muito peculiar
concepção de saga familiar, a atuação de Karine Teles é decisiva, com uma
impressionante atuação repleta de memoráveis nuances dramáticas.
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