A relação conturbada entre o homem branco ocidental
colonizador e povos nativos/colonizados representa uma temática recorrente no
cinema, de clássicas obras-primas como “Aguirre, a cólera dos deuses” (1972) e “Apocalypse
Now” (1979) até extraordinários filmes mais recentes do quilate de “Z, a cidade
perdida” (2016) e “Zama” (2017). Nessa instigante tradição, inscreve-se também
a produção chilena “Rei” (2017). A formatação concebida pelo diretor Niles
Atallah faz lembrar o teor delirante do longa brasileiro “Ex-isto” (2010),
também de temática semelhante, mas com uma narrativa ainda mais estilizada.
Atallah insere alguns momentos de uma encenação realista. O efetivo foco
artístico de “Rei”, entretanto, está no romper com o naturalismo, em que o olhar
histórico sobre o episódio do aventureiro francês Antoine de Tounens (Rodrigo
Lisboa) que tentou construir um reino próprio nas regiões da Araucaria e da
Patagônia em meados do século XIX é perpassado por um viés mágico e subjetivo.
Para isso, Atallah se vale de recursos estéticos e narrativos variados –
utiliza bitolas antigas para filmar, encena com preceitos teatrais as
sequências de julgamento do protagonista, abusa de trucagens artesanais de
beleza pictórica desconcertante para enfatizar o caráter onírico de algumas
cenas. Esse insólito barroquismo de “Rei” não se limita ao mero efeito
experimental ou exótico, estando em perfeita sintonia existencial com o próprio
caráter ambíguo do roteiro, que tanto evidencia um fascínio com o modus
operandi alucinado e romântico de Tounens na busca de seus objetivos quanto um
teor crítico sobre as ações exploradoras/opressoras em relação aos povos
nativos da América do Sul.
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