quinta-feira, agosto 09, 2018

Nico, 1988, de Susanna Nicchiarelli ****


Filmes sobre apocalipse praticamente representam um subgênero na história do cinema. Na maioria das vezes, são obras no gênero fantástico que mostram as consequências para o mundo de um hipotético evento-cataclisma que destrói a ordem civilizada e expõe a sociedade a situações extremas de barbárie e sobrevivência. Mas o que ocorre quando um filme retrata o apocalipse como sentimento e não como um fato específico? Pois é justamente isso que retrata “Nico, 1988” (2017), produção biográfica que tem como protagonista a cultuada cantora que participou do primeiro disco do Velvet Underground em 1967e depois desenvolveu uma carreira solo marcada tanto pelo caráter artístico peculiar quanto pela obscuridade em termos comerciais e de reconhecimento de um grande público. Ao invés de fazer uma acadêmica e óbvia reconstituição resumida de toda a vida de sua personagem principal, a obra prefere focar nos últimos dois anos de carreira (e vida) da artista. Escolha muito acertada da diretora Susanna Nicchiarelli: ao delimitar esse compacto espaço temporal, a narrativa consegue evidenciar com sensibilidade e contundência a força abrasiva da música muito particular de Nico bem como os dilemas e contradições pessoais que marcavam a sua personalidade, além de revelar o traço do indissociável entre a vida pessoal e a arte da cantora. A estética sombria e o roteiro muito bem depurado formatam um conceito artístico e existencial de notável coerência e perspicácia, o que se pode perceber em nuances extraordinárias como a sequência de abertura, em que em sua infância Nico presencia de longe Berlin sendo devastada pelos aliados. Em sua rotina de viagens e shows pela Europa na parte final de sua carreira, percebe-se os estertores finais da Guerra Fria, e se estabelece com sutileza a ponte entre a arte de Nico e tais eventos históricos de grandes conflitos armados, em que canções e arranjos se mostram como a efetiva trilha sonora de um século marcado por banhos de sangue e os sentimentos de paranoia e mal-estar diante de um possível holocausto nuclear. O sóbrio formalismo adotado por Nicchiarelli para “Nico, 1988” se encaixa de maneira precisa dentro dessa conceituação artística, valorizando tanto um caráter realista da história da cantora em sua abordagem quanto enfatizando um tom de imaginário estilizado sobre a sua figura, principalmente quando retrata as conturbadas apresentações ao vivo de Nico, o que dá ao filme uma atraente atmosfera misteriosa, típica de uma época pré-internet em que informações sobre determinados artistas “malditos” traziam um certo tom nebuloso.

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