quarta-feira, agosto 22, 2018

O animal cordial, de Gabriela Amaral Almeida ***


Ainda que a sua narrativa seja banhada por muito sangue e violência, “Um animal cordial” (2017) está mais para uma simbólica obra de teor sócio-político do que para um tradicional filme de horror e suspense. Cada personagem da trama parece representar aspectos diversos das classes sociais no Brasil, enquanto as situações do roteiro evocam um caráter alegórico. A produção dirigida por Gabriela Amaral Almeida não se limita, entretanto, a dar lição de sociologia. A cineasta consegue criar atmosferas de forte tensão psicológica, por vezes enveredando para o francamente delirante, bem como tem considerável senso cênico em sua concepção imagética. Nessa última característica, inclusive, apresenta pelo menos uma sequência antológica, aquela em que Inácio (Murilo Benício) e Sara (Luciana Paes) transam cobertos de sangue, de um grafismo audiovisual doentio e perturbador. Por vezes, a narrativa do longa se mostra um tanto irregular, principalmente quando a diretora abusa de uma estilização de linguagem que chega a beirar o publicitário. Além disso, a atuação de Murilo Benício como protagonista cai com frequência na canastrice histriônica. Ainda assim, “O animal cordial” não perde seu caráter instigante e envolvente. Afinal, num cenário nacional como o nosso na atualidade, em que um fascista de pendores militaristas tem a forte possibilidade de se tornar presidente da república com o apoio fundamental de uma classe média alienada e ressentida, um personagem como Inácio, um cidadão-psicopata “de bem”, acaba sendo bem representativo.

Nenhum comentário: