Ainda que a sua narrativa seja banhada por muito sangue e
violência, “Um animal cordial” (2017) está mais para uma simbólica obra de teor
sócio-político do que para um tradicional filme de horror e suspense. Cada
personagem da trama parece representar aspectos diversos das classes sociais no
Brasil, enquanto as situações do roteiro evocam um caráter alegórico. A
produção dirigida por Gabriela Amaral Almeida não se limita, entretanto, a dar lição
de sociologia. A cineasta consegue criar atmosferas de forte tensão
psicológica, por vezes enveredando para o francamente delirante, bem como tem
considerável senso cênico em sua concepção imagética. Nessa última
característica, inclusive, apresenta pelo menos uma sequência antológica,
aquela em que Inácio (Murilo Benício) e Sara (Luciana Paes) transam cobertos de
sangue, de um grafismo audiovisual doentio e perturbador. Por vezes, a
narrativa do longa se mostra um tanto irregular, principalmente quando a
diretora abusa de uma estilização de linguagem que chega a beirar o publicitário.
Além disso, a atuação de Murilo Benício como protagonista cai com frequência na
canastrice histriônica. Ainda assim, “O animal cordial” não perde seu caráter
instigante e envolvente. Afinal, num cenário nacional como o nosso na
atualidade, em que um fascista de pendores militaristas tem a forte
possibilidade de se tornar presidente da república com o apoio fundamental de
uma classe média alienada e ressentida, um personagem como Inácio, um
cidadão-psicopata “de bem”, acaba sendo bem representativo.
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