Na premissa de seu roteiro, “Você nunca esteve realmente
aqui” (2017) faz evocar algo como um cruzamento entre “Taxi driver” (1976) e “O
profissional” (1994). Entre o pesado drama psicológico e o franco thriller de
aventura, a diretora Lynne Ramsay faz o seu filme se localizar em um estranho
universo híbrido disso tudo e também muito particular. Sua dissecação da ação
cinematográfica nas sequências envolvendo brutalidade gráfica e atmosferas de
tensão tem um caráter bastante elíptico – tiros, marteladas e outros atos
violentos afins na maioria das vezes não são filmados de forma exatamente
direta, havendo uma preferência mais pela sugestão e pela exposição das
consequências de tais ações. Não se trata exatamente de poupar a suscetibilidade
do espectador, pois há sangue e carne dilacerada em profusão na narrativa. Na
verdade, essa maneira de registrar a violência é até mais perturbadora do que
se a preferência fosse pela mais tradicional de filmar. Nessa abordagem
imagética da cineasta há o sentido de complementar a psique atormentada do
protagonista Joe (Joaquin Phoenix), em constante conflito entre traumas difusos
do passado e um presente marcado por uma perseguição inclemente de uma
organização política-criminosa-sexual. Na saga do personagem principal, há um
tom quase fabular, em que no meio desse cenário de destruição, degradação e
melancolia brota de maneira insólita momentos de teor poético desconcertante (o
assassino que morre cantando uma melosa balada pop, o funeral aquático da mãe
de Joe, o seu imaginário e luminoso suicídio). Nesse conto de vingança de brilhante
e bizarra encenação se destacam ainda a atuação de pura possessão de Phoenix e
a etérea trilha sonora de Jonny Greenwod.
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