Em um primeiro momento, a primeira referência que pode vir à
mente quando se assiste a “A misteriosa morte de Pérola” (2014) é a filmografia
de David Lynch. Estão lá na narrativa do filme de Guto Parente uma série de
recursos narrativos que o genial cineasta norte-americano usou com recorrência
em seus trabalhos – a trama que se divide em dois momentos distintos que possuem
uma obscura inter-relação entre eles, uma atmosfera que trafega sem maiores
cerimônias entre a realidade e o delírio, a encenação que também varia entre o
naturalismo e a estilização. Apesar de tais elementos familiares, Parente ainda
assim consegue ter um traço de originalidade em suas concepções artísticas e
demonstra saber manter a atenção do espectador mediante uma forte tensão
dramática na manipulação do ritmo narrativo e do rigor imagético da direção de
fotografia. Não se tem uma produção no gênero suspense “puro”, pois há uma
carga intimista/psicológica densa tanto na exposição minuciosa do desolado cotidiano
e do processo de fragmentação psíquica de Pérola (Ticiana Augusto Lima) em seu
autoexílio em um apartamento no interior da França quanto na visita que o seu
namorado faz ao apartamento depois da morte da garota. Parente acentua e
harmoniza essa perturbadora combinação entre suspense e drama a partir de
algumas elegantes nuances formais, vide a contraposição entre a sua judiciosa
encenação e a inserção de falsos e “amadores” trechos documentais e o uso de
uma trilha sonora repleta de temas musicais dissonantes.
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