quinta-feira, fevereiro 21, 2019

Adyós, general, de Omar de Barros Filho ****


No panorama histórico-estético do cinema gaúcho, “Adyós, general” (1986) é uma obra completamente fora da curva – não se liga a nenhum movimento, escola ou qualquer outro tipo de linhagem que se configurou no Estado. Bem, talvez dê para pensar no recente e extraordinário “A cidade dos piratas” (2018), de Otto Guerra (aliás, Guerra é responsável pela animação dos créditos de abertura de “Adyós, genera”, numa bizarra coincidência. Ou não?). A origem da obra dirigida por Omar de Barros Filho já é característica da sua natureza estranha – um jornalista com grande experiência na imprensa alternativa e de esquerda resolve fazer um filme de ficção para narrar fatos que presenciou ao cobrir os conflitos armados entre as forças do governo e a guerrilha em El Salvador nos anos 80. O grande diferencial, entretanto, é que o cineasta/repórter filtra essa trama histórica-biográfica sob uma bizarra e inventiva perspectiva narrativa-estética, fazendo um cruzamento delirante e genial de preceitos de Cinema Novo e Cinema Underground e mais alguns toques de referências documentais. Encenação, direção de fotografia e edição se fundem sob um formalismo de forte caráter libertário. A narrativa vai se tornando cada vez mais alegórica e intrincada, baseada em diálogos/discursos repletos de expressivas nuances políticas/filosóficas e em um grafismo brutal baseado em violência e sexo que por vezes envereda sem cerimônias no escatológico. Ainda que toda essa concepção artística possa ser chocante para boa parte da audiência, em seu subtexto há um forte teor humanista e poético que só encontra paralelo talvez com a obra-prima extrema de Pasolini, “Saló – Os 120 dias de sodoma” (1975). O grito de Omar de Barros Filho contra a opressão e a hipocrisia das forças reacionárias é feroz na sua indignação e sarcasmo e só poderia mesmo se concretizar por meios de uma linguagem cinematográfica tão desafiadora e criativa quando essa apresentada em “Adyós, general”. Os encantos (e perturbações) do filme se mostram atemporais, vide a forma coerente com que a obra se relaciona com o atual cenário sócio-político brasileiro e mundial, tomados por uma ascensão desmedida de governos autoritários de direita.

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