Logo no início da narrativa em “Infernino” (2018),
ambientação e encenação remetem ao clássico do cineasta alemão Rainer Werner
Fassbinder, “Querelle” (1982) – em um misto de estilização e sordidez, um
boteco de beira de cais caindo aos pedaços abriga um atendente vestido de
coelho, uma cantora de cabaret-brega, um tecladista clone de Beethoven e uma
clientela composta basicamente de desajustados vestidos de refugos de cultura
pop. O grande mérito dos diretores Guto Parente e Pedro Diógenes é fazer com
que o filme fuja da paródia besta e se configure como uma alegoria ácida e pungente
sobre os conturbados dias atuais. Para isso, a obra se vale de uma original
reciclagem de melodrama sórdido aos moldes do já citado Fassbinder e de um
realismo neon herdeiro da obra-prima “O fundo do coração” (1981). A síntese de
referências e citações sempre se mostra empolgante e filtrada por uma
particular visão estética e temática. Parente e Diógenes se valem de truques visuais
simples e de grande eficácia imagética. Nesse sentido, as sequências mais
oníricas e delirantes encantam pela sutileza entre o naif e o sofisticado de
suas trucagens baratas. E mesmo os momentos mais naturalistas são perpassados
por um requintado barroquismo artesanal e repleto de nuances. Ou seja, a partir
de parcos recursos de produção os diretores extraem o máximo em um formalismo
que demonstra rigor e criatividade, sabendo ainda aproveitar com sensibilidade
os demais elementos narrativos, com destaque para os ótimos temas originais da
trilha sonora e algumas intensas atuações de seu elenco (com grande destaque
para Yuri Yamamoto e Démick Lopes).
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