Em seus primeiros longas-metragens, em colaboração com o
ator Will Ferrell, o diretor Adam McKay praticamente redefiniu alguns
parâmetros da comédia cinematográfica. Depois, mudou seu interesse temático
para outra área, ainda que preservasse alguns maneirismos cômicos de suas
produções iniciais. Nessa fase mais recente, McKay se mostra mais focado em
fazer um inventário histórico-artístico-existencial do panorama sócio-político
dos Estados Unidos do século XXI, ainda que sabendo que a situação atual do
país é fruto de uma série de fatos decisivos do século passado. Se “A grande
aposta” (2015) era uma visão sombria e irônica sobre a crise econômica que
assolou o seu país e o mundo em 2008, “Vice” (2018) volta a sua atenção para a
trajetória do político Dick Cheney (Christian Bale), vice-presidente na era
George W. Bush, e sua nefasta influência sobre diversas áreas da sociedade
norte-americana nas últimas décadas. McKay ousa ao se afastar de alguns clichês
narrativos tradicionais do gênero cinebiografia, preferindo enveredar para o
lado do farsesco. Ainda que o roteiro seja bastante informativo e marcado por
uma ácida lucidez, a encenação recorra a interessantes recursos de
metalinguagem e quebra da quarta parede e a edição repleta de eficientes
truques tenha um expressivo dinamismo, falta para o filme por vezes uma
densidade dramática mais convincente – os excessos caricaturais e a grande
quantidade de fatos expostos na trama deixam por vezes o trabalho de McKay
marcado pela superficialidade. O equilíbrio entre o lado intimista da obra e o
seu viés sócio-político também não apresentam uma harmonia mais constante, em
que uma tentativa de humanização do protagonista faz com que em alguns momentos
a compreensão sobre a efetiva dimensão de alguns de seus atos mais escabrosos
seja atenuada. Ainda assim, no saldo geral, “Vice” é um filme inquietante e em
algumas passagens até mesmo perturbador na maneira com que disseca a hipocrisia
e desfaçatez da direita e reacionários afins na forma com que ditam os rumos
políticos e econômicos do mundo ocidental. A análise em forma fílmica de McKay
é bem mais esclarecedora sobre o mundo que vivemos do que a visão alienante do
Jornal Nacional, Veja e outros bastões “oficiais” do jornalismo. E apenas
decepciona um pouco porque como filme não tem o mesmo equilíbrio
narrativo-temático de “A grande aposta”.
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