segunda-feira, fevereiro 18, 2019

Vice, de Adam McKay ***


Em seus primeiros longas-metragens, em colaboração com o ator Will Ferrell, o diretor Adam McKay praticamente redefiniu alguns parâmetros da comédia cinematográfica. Depois, mudou seu interesse temático para outra área, ainda que preservasse alguns maneirismos cômicos de suas produções iniciais. Nessa fase mais recente, McKay se mostra mais focado em fazer um inventário histórico-artístico-existencial do panorama sócio-político dos Estados Unidos do século XXI, ainda que sabendo que a situação atual do país é fruto de uma série de fatos decisivos do século passado. Se “A grande aposta” (2015) era uma visão sombria e irônica sobre a crise econômica que assolou o seu país e o mundo em 2008, “Vice” (2018) volta a sua atenção para a trajetória do político Dick Cheney (Christian Bale), vice-presidente na era George W. Bush, e sua nefasta influência sobre diversas áreas da sociedade norte-americana nas últimas décadas. McKay ousa ao se afastar de alguns clichês narrativos tradicionais do gênero cinebiografia, preferindo enveredar para o lado do farsesco. Ainda que o roteiro seja bastante informativo e marcado por uma ácida lucidez, a encenação recorra a interessantes recursos de metalinguagem e quebra da quarta parede e a edição repleta de eficientes truques tenha um expressivo dinamismo, falta para o filme por vezes uma densidade dramática mais convincente – os excessos caricaturais e a grande quantidade de fatos expostos na trama deixam por vezes o trabalho de McKay marcado pela superficialidade. O equilíbrio entre o lado intimista da obra e o seu viés sócio-político também não apresentam uma harmonia mais constante, em que uma tentativa de humanização do protagonista faz com que em alguns momentos a compreensão sobre a efetiva dimensão de alguns de seus atos mais escabrosos seja atenuada. Ainda assim, no saldo geral, “Vice” é um filme inquietante e em algumas passagens até mesmo perturbador na maneira com que disseca a hipocrisia e desfaçatez da direita e reacionários afins na forma com que ditam os rumos políticos e econômicos do mundo ocidental. A análise em forma fílmica de McKay é bem mais esclarecedora sobre o mundo que vivemos do que a visão alienante do Jornal Nacional, Veja e outros bastões “oficiais” do jornalismo. E apenas decepciona um pouco porque como filme não tem o mesmo equilíbrio narrativo-temático de “A grande aposta”.

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