Em sua época áurea, nas décadas de 1940 e 1950, o cinema
noir era marcado por uma fascinante ambiguidade artística – influenciado esteticamente
pela literatura policial “pulp” e pelo expressionismo alemão, toda a
perversidade e sordidez presente em seu subtexto tinha que se adaptar aos
moldes narrativos tradicionais do cinema comercial norte-americano da época e,
principalmente, aos padrões morais dos códigos de condutas dos grandes
estúdios. A produção grega “Singapore Sling” (1990) parte de um pressuposto
artístico inquietante – se não houvesse essas limitações da época em que se
desenvolveu, como seria o cinema noir? A resposta oferecida pelo resultado final
do filme dirigido por Nikos Nikolaidis pode parecer puramente especulativa, mas
também oferece alguns momentos memoráveis na sua síntese entre clichês
narrativos de filme policial clássico, toques de exploitation e forte teor
experimental. Roteiro e encenação deixam aflorar de maneira impiedosa
escatologia, incesto, ostensivo brutalismo gráfico, despudorada sexualidade e
um doentio senso de humor, tudo filtrado dentro de uma concepção formal de
forte rigor plástico e perpassado por uma atmosfera entre o melancólico e o
poético. No todo, é uma obra inclassificável e desconcertante, o que ajuda
explicar porque foi proibida em alguns países ou simplesmente nem foi exibida
comercialmente em outros mercados (inclusive o Brasil). É necessário,
entretanto, que apreciadores de um cinema que vá além das grandes bilheterias
ou de premiações do Oscar corram atrás dessa pérola de insólita beleza.
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