É claro que Clint Eastwood já dirigiu filmes muito melhores
que “A mula” (2018). Mas não deixa de ser um alívio que esse filme mais recente
não seja um equívoco das proporções do lamentável “15h17 – Trem para Paris”
(2018). “A mula” tem aquele tom crepuscular de “Gran Torino” (2008), em que a
velha persona de durão de Eastwood está desgastada pelo passar dos anos e
também pelas mudanças comportamentais e sociais que o mundo passou nas últimas
décadas. Assim, o protagonista Leo Sharp (Eastwood) se move em cena quase como
um dinossauro cansado, mas que ainda se permite algumas diversões e
transgressões. As velhas distinções entre o bem e o mal se mostram bem mais
nebulosas. Assim, o ato do personagem principal em colaborar com traficantes de
drogas tem conotações bastante ambíguas – sabe-se da violência e sordidez que
envolve esse “comércio”, mas para alguém que já está nos anos finais da
existência, o que interessa é conseguir uma grana para ajudar amigos e
familiares e ainda usufruir um pouco dos prazeres da vida. As consequências
sombrias do crime são previsíveis, mas Leo aceita o seu destino com resignação
e até dignidade. Em um país que boa parte dos cidadãos tem suas vidas
arruinadas pelos interesses do mercado, traficar alguns quilos de drogas não se
mostra um crime tão horrível assim. Uma constatação assim até surpreende quando
se pensa que Eastwood é um velho republicano convicto, mas é perfeitamente
coerente para o diretor que realizou filmes de forte complexidade moral como “Os
imperdoáveis” (1992) e “American sniper” (2015). Ainda que o roteiro de “A mula”
tenha algumas inconsistências e se volte por vezes para o melodrama excessivo,
a narrativa de talhe clássico e a encenação serena concebidas por Eastwood
tornam a obra uma experiência cativante e memorável.
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