quarta-feira, fevereiro 20, 2019

Clímax, de Gaspar Noé ****


Mas, afinal, o que é “Clímax” (2018)? Por vezes, o filme mais recente de Gaspar Noé parece uma versão do inferno do clássico “O baile” (1983). Se a obra-prima de Ettore Scola é um painel artístico-histórico do século XX que se configura em diversas coreografias que se desenvolvem ao longo de décadas no mesmo espaço físico de um salão de dança, a produção de Noé é um panorama estético-existencial sobre o estado político-mental de uma Europa em desagregação no final do mesmo século (e antecipando os tempos ainda mais conturbados do século XXI) em que toda a ação se cristaliza em uma hora e meia regada a sexo, drogas, violência, morte e muitas performances (individuais e coletivas) ao som da uma magnífica trilha sonora regada a temas eletrônicos/dançantes antológicos dos anos 80 e 90. Essa junção improvável de musical, horror e melodrama recebe um tratamento narrativo e formal em perfeita sintonia com essa síntese de delírio, sordidez e fragmentação – há um senso de virtuosismo barroco que paira sobre a narrativa, vide vertiginosos planos-sequências e uma rigorosa marcação cênica na movimentação de uma ampla gama de personagens e nas enlouquecidas e vibrantes coreografias, mas que sempre é marcado por momentos de descontinuidades tanto em cortes bruscos como nos próprios créditos do filme que irrompem em momentos dos mais inesperados (a referência de que o próprio filme está chapado como seus personagens é óbvia, mas inegavelmente engenhosa e eficaz). Em meio a esse grafismo brutal e à aparente desordem imagética/sonora de “Clímax”, Noé, assim como já tinha feito em “Irreversível” (2002) e “Enter the void” (2009), desconcerta o espectador diante dessa fúria sensorial que ao mesmo tempo empolga pela sua exuberância audiovisual e perturba por uma visão sombria e desencantada da humanidade do novo milênio.  

Nenhum comentário: