Mas, afinal, o que é “Clímax” (2018)? Por vezes, o filme
mais recente de Gaspar Noé parece uma versão do inferno do clássico “O baile”
(1983). Se a obra-prima de Ettore Scola é um painel artístico-histórico do
século XX que se configura em diversas coreografias que se desenvolvem ao longo
de décadas no mesmo espaço físico de um salão de dança, a produção de Noé é um
panorama estético-existencial sobre o estado político-mental de uma Europa em
desagregação no final do mesmo século (e antecipando os tempos ainda mais
conturbados do século XXI) em que toda a ação se cristaliza em uma hora e meia
regada a sexo, drogas, violência, morte e muitas performances (individuais e
coletivas) ao som da uma magnífica trilha sonora regada a temas eletrônicos/dançantes
antológicos dos anos 80 e 90. Essa junção improvável de musical, horror e
melodrama recebe um tratamento narrativo e formal em perfeita sintonia com essa
síntese de delírio, sordidez e fragmentação – há um senso de virtuosismo
barroco que paira sobre a narrativa, vide vertiginosos planos-sequências e uma
rigorosa marcação cênica na movimentação de uma ampla gama de personagens e nas
enlouquecidas e vibrantes coreografias, mas que sempre é marcado por momentos
de descontinuidades tanto em cortes bruscos como nos próprios créditos do filme
que irrompem em momentos dos mais inesperados (a referência de que o próprio
filme está chapado como seus personagens é óbvia, mas inegavelmente engenhosa e
eficaz). Em meio a esse grafismo brutal e à aparente desordem imagética/sonora
de “Clímax”, Noé, assim como já tinha feito em “Irreversível” (2002) e “Enter
the void” (2009), desconcerta o espectador diante dessa fúria sensorial que ao
mesmo tempo empolga pela sua exuberância audiovisual e perturba por uma visão
sombria e desencantada da humanidade do novo milênio.
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