As relações de poder hierárquico, os intensos exercícios
físicos e os episódios de camaradagem dentro de um ordenamento militar são
vistos por muitos como inerentes e sintomáticos do espírito de disciplina e
moralidade desse tipo de instituição. No âmbito da produção francesa “Bom
trabalho” (1999), entretanto, tais aspectos são reveladores de um mal
disfarçado jogo de intrigas e de um homoerotismo latente. Nessa concepção
existencial, a diretora Claire Denis não busca o choque gratuito ou algum
sensacionalismo barato. O teor sexual que se estabelece em um pelotão da Legião
Estrangeira em uma cidade exótica e de calor escaldante no interior da África é
um misto desconcertante de intensidade e sutileza. Denis explora de maneira
sensível e engenhosa cada nuance imagética e existencial do seu texto e cenário.
Os diálogos obscuros, os exercícios militares e a vida noturna dos recrutas,
praças e oficiais nas noites de danças e flertes da cidade que ocupam trazem em
suas entrelinhas tanto difusos aspectos intimistas dessas vidas quanto um
contundente teor sócio-político na exposição da conturbada relação da França
com as suas ex-colônias. Discurso e temática intrincados recebem um tratamento
estético em plena sintonia no seu detalhismo cênico e narrativo. O filme por
vezes se afasta do linear e espalha seus elementos como um quebra-cabeça
intrigante, fazendo com que a encenação tenha uma marcação que beira a tragédia
grega, ainda que sempre marcada por uma atmosfera rarefeita e irônica. A
direção de fotografia não se limita a um mero registro “cartão postal” das
paisagens naturais exóticas – pelo contrário, enfatiza nuances como as luzes estouradas
solares e artificiais e a imagem desfocada e granulada de algumas passagens.
Dentro de tal abordagem visual, o realismo inicia por vezes ganha ares de uma
incursão em uma dimensão paralela, impressão essa acentuada por uma trilha
sonora que se alterna com maestria entre o tom operístico, dançantes temas
étnicos e rocks climáticos.
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