Em termos temáticos, o cinema do diretor Hirokazu Kore-eda
gira em torno das relações familiares. Sua abordagem artística-existencial,
contudo, não se vincula a fazer loas sobre tal matéria. Pelo contrário – os
conturbados relacionamentos entre pais, filhos e demais parentes servem como
uma espécie de reflexo das relações humanas em si no mundo contemporâneo. Nesse
sentido, “Assunto de família” (2018) é uma das obras mais agudas de Kore-eda. A
“família” que acolhe Yuri, uma pequena garota fugitiva de um lar de classe
média alta onde sofre maus-tratos, está mais para um grupo de deserdados que se
uniu quase que por caso fortuito. Ainda que a relação entre tais pessoas seja
marcada por uma certa fragilidade sócio-econômica, e que mesmo algumas delas
pratiquem pequenos crimes e contravenções para custear a sobrevivência, o
vínculo sentimental entre elas vai se mostrando cada vez mais pungente. A
mensagem do subtexto da trama é sutil e clara – em uma sociedade de consumo
marcada pela assepsia emocional e por valores mercantilistas, a instituição da
família biológica tradicional deixou de ser garantia de estabilidade emocional
para os seus membros. Mesmo que de maneira inconsciente, o novo agrupamento em
que Yuri se insere é marcado por uma espontaneidade e solidariedade que os
coloca em atitude de desafio perante o ordenamento social vigente. Por isso
mesmo, a harmonia “familiar” estabelecida entre eles é de existência precária e
previsivelmente se desfaz quando confrontada com a forças de segurança institucionais.
Na nova vida que cada um deles ganha dentro dos padrões oficializados, o afeto
e generosidade que recebem são falhos e insuficientes. Kore-eda concebe uma
narrativa serena e melancólica carregada de poesia visual para essa saga
intimista e fatalista, em um formalismo sóbrio que se revela sempre preciso
para a sutil e cortante carga dramática do roteiro.
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