sexta-feira, fevereiro 08, 2019

Assunto de família, de Hirokazu Kore-eda ***1/2


Em termos temáticos, o cinema do diretor Hirokazu Kore-eda gira em torno das relações familiares. Sua abordagem artística-existencial, contudo, não se vincula a fazer loas sobre tal matéria. Pelo contrário – os conturbados relacionamentos entre pais, filhos e demais parentes servem como uma espécie de reflexo das relações humanas em si no mundo contemporâneo. Nesse sentido, “Assunto de família” (2018) é uma das obras mais agudas de Kore-eda. A “família” que acolhe Yuri, uma pequena garota fugitiva de um lar de classe média alta onde sofre maus-tratos, está mais para um grupo de deserdados que se uniu quase que por caso fortuito. Ainda que a relação entre tais pessoas seja marcada por uma certa fragilidade sócio-econômica, e que mesmo algumas delas pratiquem pequenos crimes e contravenções para custear a sobrevivência, o vínculo sentimental entre elas vai se mostrando cada vez mais pungente. A mensagem do subtexto da trama é sutil e clara – em uma sociedade de consumo marcada pela assepsia emocional e por valores mercantilistas, a instituição da família biológica tradicional deixou de ser garantia de estabilidade emocional para os seus membros. Mesmo que de maneira inconsciente, o novo agrupamento em que Yuri se insere é marcado por uma espontaneidade e solidariedade que os coloca em atitude de desafio perante o ordenamento social vigente. Por isso mesmo, a harmonia “familiar” estabelecida entre eles é de existência precária e previsivelmente se desfaz quando confrontada com a forças de segurança institucionais. Na nova vida que cada um deles ganha dentro dos padrões oficializados, o afeto e generosidade que recebem são falhos e insuficientes. Kore-eda concebe uma narrativa serena e melancólica carregada de poesia visual para essa saga intimista e fatalista, em um formalismo sóbrio que se revela sempre preciso para a sutil e cortante carga dramática do roteiro.

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