quarta-feira, abril 03, 2019

Diga amém, alguém, de George T. Niereberg ****


Se a estrutura narrativa caótica de “Ornette: Made in America” (1985) evoca a música repleta de improvisos e experimentações de seu protagonista, o documentário “Diga amém, alguém” (1982) se vincula a um formalismo mais convencional em sintonia com o caráter tradicional do ritmo musical que coloca em cena, o gospel. Isso não quer dizer que o filme dirigido por George T. Niereberg seja menos inquietante, pois dentro dessa estética baseada em modelos clássicos a obra consegue transmitir muito da força artística e emocional do gospel. O documentário se focaliza em duas figuras importantes do gênero, o compositor e cantor Thomas A. Dorsey e a cantora Willie Mae Ford Smith, com uma narrativa que se baseia em dois elementos bastante utilizados no cinema verdade concentrado na temática musical: depoimentos dos protagonistas e “coadjuvantes” (parentes, amigos, admiradores) e números musicais. Só que Niereberg executa tais princípios com brilho e convicção, sabendo extrair tanto informações preciosas quanto emoções genuínas nas entrevistas, além de valorizar com sensibilidade todos os saborosos detalhes cênicos das apresentações musicais nos cultos. E não se trata aqui de querer converter espectadores para o protestantismo – filme não se interessa em se aprofundar no proselitismo religioso, dando a entender que o fator místico seria um oportuno pretexto na elaboração e interpretação de uma música de caráter tão transcendente e intenso, além de enfatizar em algumas pequenas nuances o teor conservador e machista da visão de mundo do protestantismo, em uma curiosa contradição com as expansivos e pungentes canções que provem de seus cultos.

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