Acredito que tanto em sua realização artística quanto na
análise crítica que possa gerar, o documentário “Elegia de um crime” (2018)
passa por uma profunda questão ética. A partir do fato de que sua construção
narrativa e sua formulação de subtexto se vinculam a uma perturbadora tragédia
pessoal de seu realizador, o diretor Cristiano Burlan, pode-se pensar o quanto é
válido usar um fato real tão pessoal para atingir determinados fins estéticos e
temáticos, assim como o quanto crítica e o público têm o direito de o direito e
capacidade de fazerem um julgamento existencial-artístico sobre aquilo que se viu
na tela. O resultado final da obra, entretanto, é tão impressionante que ela
acaba transcendendo tais tipos de considerações. Se em “Mataram meu irmão”
(2013) ele já havia enveredado pelo documentário-memorialista de maneira
memorável, nesse trabalho mais recente o seu amadurecimento como cineasta faz
com que a sua investigação autoral e intimista sobre a conturbada vida de sua
mãe e a sua brutal morte pelas mãos do companheiro se mostre afiada em termos
formais e com uma densidade humanista impressionante. Toda a narrativa é
perpassada pelos sentimentos de raiva, frustração e culpa de Burlan pelo
melancólico destino de sua mãe, com ele não se furtando em momento algum em se
colocar em cena como personagem essencial em seu filme, mas também há no longa
uma elaboração de encenação e mesmo de roteiro que fazem de “Elegia de um crime”
também um panorama desolado da pobreza, da falta de perspectivas sociais e do
machismo opressor de uma sociedade brasileira contemporânea e decadente. Nos
depoimentos de parentes e amigos de sua mãe, o diretor consegue extrair uma
pungência à flor-da-pele, assim como também tem sucesso em fazer com que a
captação da ação cinematográfica tenha tensão dramática eletrizante. Não se
pode dizer com precisão se “Elegia de um crime” foi catártico o suficiente para
que o seu realizador ficasse mais em paz com deus demônios internos, mas para o
público se trata de uma experiência cinematográfica que provavelmente ficará
colada em seu imaginário por um bom tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário