O documentarista Carlos Nader se mostra em “Homem comum”
(2014) como uma espécie de herdeiro espiritual dos preceitos artísticos de
Eduardo Coutinho, principalmente na questão em como o imprevisível e o
aleatório se incorporam em seus respectivos modus operandi. Além disso,
transparece a forma com que questionamentos existenciais e formais se tornam
parte da razão de ser das produções, fazendo com que aquilo que se planejava no
início das filmagens se revele apenas a ponta do iceberg. Mas Nader não é
apenas um mero reciclador de ideias e conceitos alheios – pode-se perceber em
sua obra um traço autoral bastante particular. Se em “Pan-cinema permanente”
(2008) ele fazia um registro misto entre o realismo e o delirante da vida e
obra do poeta e letrista Wally Salomão, em “Homem comum” ele molda a história
de vida de um caminhoneiro e sua família dentro de uma espécie de fábula
existencialista e mística. Para isso, Nader expande as próprias noções do que
deveria ser “cinema verdade”. Ele se vale de encenações nitidamente ensaiadas,
além de truques de edição que remetem a uma estrutura ficcional – nesse sentido,
é extraordinária o formato de fluxo onírico em que trechos de cenas que foram
registradas ao longo de vinte anos e de sequências do clássico cinematográfico “A
palavra” (1955) se encadeiam, afastando o filme do mero registro cronológico de
fatos e transformando a narrativa num vórtice sensorial desconcertante. Em
diversos momentos, são expostos com clareza motivos para determinadas escolhas
narrativas, como se houvesse uma espécie de auto-dissecação estética da obra. E
há algo de ironia perversa na forma com que Nader manipula os elementos emocionais
do filme. Uma das coisas mais fascinantes de “Homem comum”, entretanto, é
justamente como o sentimentalismo brejeiro da obra é preservado no seu contundente
humanismo e se entrelaça com a forte criatividade formal de Nader, resultando
numa espécie de cruzamento entre farsa, metafísica e filosofia.
Um comentário:
Um dos melhores documentários do ano
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