O cineasta Alceu Valença demonstra sintonia artística e
existencial com o músico e compositor Alceu Valença. O longa-metragem ficcional
“A luneta do tempo” (2014) pode ser entendido como uma extensão audiovisual das
concepções estéticas de suas canções. O filme é um caleidoscópio delirante de
ideias misturando faroeste, literatura de cordel, ópera-rock, crítica social e
revisionismo histórico. Valença está mais preocupado em dar vazão às suas
obsessões temáticas e estilísticas do que se adequar às regras formais
cinematográficas. Assim, por vezes, chega a ser incômoda uma certa fuleiragem
técnica do filme, principalmente em termos de edição. No final das contas, entretanto,
isso acaba sendo um pequeno detalhe diante da encenação criativa e vigorosa da
obra, com uma narrativa que não se vincula necessariamente ao realismo, mas sim
a uma ambientação onírica e estilizada. Dentro dessa abordagem personalíssima
do cineasta, pode-se perceber uma visão profunda e emocional da formação
cultural do sertão nordestino, na sua combinação de fatos históricos, lendas e
manifestações artísticas. O roteiro sugere um atavismo desconcertante tanto na
caracterização dos personagens quanto das situações da trama, e que acaba se
revelando bastante coerente ao se relacionar com o presente cenário conturbado
político do Brasil (a tragédia que se repete como farsa...). E tudo isso vem
sublinhado com uma bela trilha sonora composta e executada por Valença, em que
a habitual mistura de regionalismo e influências universais (música árabe e
rock) atinge uma síntese sonora impactante.
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