segunda-feira, abril 11, 2016

A luneta do tempo, de Alceu Valença ***

O cineasta Alceu Valença demonstra sintonia artística e existencial com o músico e compositor Alceu Valença. O longa-metragem ficcional “A luneta do tempo” (2014) pode ser entendido como uma extensão audiovisual das concepções estéticas de suas canções. O filme é um caleidoscópio delirante de ideias misturando faroeste, literatura de cordel, ópera-rock, crítica social e revisionismo histórico. Valença está mais preocupado em dar vazão às suas obsessões temáticas e estilísticas do que se adequar às regras formais cinematográficas. Assim, por vezes, chega a ser incômoda uma certa fuleiragem técnica do filme, principalmente em termos de edição. No final das contas, entretanto, isso acaba sendo um pequeno detalhe diante da encenação criativa e vigorosa da obra, com uma narrativa que não se vincula necessariamente ao realismo, mas sim a uma ambientação onírica e estilizada. Dentro dessa abordagem personalíssima do cineasta, pode-se perceber uma visão profunda e emocional da formação cultural do sertão nordestino, na sua combinação de fatos históricos, lendas e manifestações artísticas. O roteiro sugere um atavismo desconcertante tanto na caracterização dos personagens quanto das situações da trama, e que acaba se revelando bastante coerente ao se relacionar com o presente cenário conturbado político do Brasil (a tragédia que se repete como farsa...). E tudo isso vem sublinhado com uma bela trilha sonora composta e executada por Valença, em que a habitual mistura de regionalismo e influências universais (música árabe e rock) atinge uma síntese sonora impactante.

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