Pode soar sexista ou sectário dizer que há obras cuja
perspectiva existencial indica um autor de determinado gênero. Mas falar isso
para um filme como “Elles” (2012) não pode ser considerado um reducionismo. O
olhar do filme é feminino no sentido de contestar um ordenamento moral e ético
que é típico de uma sociedade patriarcal. Nesse sentido, o trabalho da diretora
Malgorzata Szumowska é bastante inquietante na sua formatação narrativa e nos
questionamentos sociais que apresenta com sutil ironia. Quando a jornalista
Anne (Juliette Binoche) mergulha no mundo das jovens prostitutas universitárias
para escrever uma matéria, percebe aos poucos que deverá deixar de lado preceitos
maniqueístas e pseudosociológicos para ter uma efetiva noção da real dimensão
daquele universo. Com o desenrolar da trama, outros pontos entram em pauta – a subjetividade
de cada uma das garotas de programa, a distorção das relações humanas dentro de
uma sociedade capitalista baseada na exploração, o papel de submissão e
anulação da protagonista dentro da sua própria família. O filme não apresenta
soluções prontas ou fáceis para os dilemas que apresenta, e talvez esse nem
fosse o seu objetivo. O que interessa para Szumowska é mais uma atmosfera ambígua
na dicotomia entre atração e repulsa que aquele novo mundo representa para
Anne, estabelecendo um encadeamento de cenas e situações que variam de forma
desconcertante entre várias sensações e sentimentos (erotismo, desejos difusos,
sordidez, culpa, delírios). O formalismo de “Elles” acompanha essa complexidade
temática, tendo uma encenação que tanto se caracteriza em alguns momentos pela
leveza sensual quanto por uma pesada solenidade dramática, enquanto a dinâmica
da montagem cria um vórtice temporal hipnotizante na variação dos tempos
narrativos e ambientações entre o real e o onírico.
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