Se Alceu Valença realizou uma espécie de inventário emocional
e cultural da formatação existencial do sertão nordestino em “A luneta do tempo”
(2014), em “O movimento” (2015) o diretor Benjamin Naishtat apresenta a sua
visão sombria sobre a estruturação sócio-política da Argentina. Em ambas as
obras as narrativas se adaptam dentro de abordagens que buscam uma síntese
entre a linguagem naturalista e o viés delirante e estilizado. No caso da
produção portenha, essa formatação se expande a partir da utilização de
recursos típicos do teatro do absurdo e da evocação estilística dos gêneros do
faroeste e do expressionismo alemão. O resultado dessa inusitada combinação de
referências é perturbador. A encenação concebida por Naishtat valoriza os
diálogos enigmáticos e repletos de estranhas simbologias e uma composição
cênica icônica. A direção de fotografia em preto e branco cria uma ambientação
sombria digna de um pesadelo na ênfase no uso de jogos de sombras (é
extraordinária a forma com que os atores se movimentam dentro de uma densa
escuridão, inclusive nas oníricas cavalgadas à noite). O elenco demonstra forte
sintonia com as escolhas artísticas de Naishtat, com interpretações que
incorporam de maneira fluente maneirismos típicos da vertente anti-naturalista.
Todas essas soluções estéticas se mostram como a moldura ideal para um agudo roteiro
que disseca de maneira impiedosa a violência e a hipocrisia que acompanharam o
desenvolvimento da sociedade argentina, o que fica evidente no genial truque
temático da conclusão “O movimento”, quando passado e presente se aproximam
como se fossem uma coisa só.
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