Num primeiro momento, a equação artística de “Onde o mar
descansa” (2015) pode parecer um pastiche que chama atenção apenas pelo
insólito de sua combinação – as atmosferas fantasmagóricas das produções europeias
de horror dos anos 60 e 70, a ambientação entre o onírico e o metafísico de
Andrei Tarkovsky, o fluxo narrativo poético de Derek Jarman, a encenação
repleta de coreografias de danças que remetem a algumas obras memoráveis de
Carlos Saura. Com o desenvolver da narrativa, entretanto, essa junção de
influências diversas vai dando uma liga surpreendente que faz com que o filme
transcenda a simples curiosidade. O lirismo poético da narração, a intensidade dos
bailados dramáticos das personagens, a direção de fotografia de tons esmaecidos
e tenebrosos, a expressiva síntese entre melodias melancólicas e dissonâncias
de trilha sonora e a edição sóbria colaboram na configuração de um singular
conto gótico sobre o amor e a perda. O formalismo concebido pelos diretores
André Semenza e Fernanda Lippi acaba por criar uma espécie de universo
paralelo, onde até mesmo as regras morais pequeno burguesas cristãs se
desvanecem sem a menor cerimônia (nesse sentido, não há como não fazer uma
conexão com o recente e extraordinário “A bruxa”). As belas e lúgubres paisagens
de florestas e rios congelados, que parecem se formatar como personagens dentro
da trama, são incorporadas com naturalidade e coerência dentro dessa singular
proposta artístico-existencial. Dentro dessa trinca de “cinema-dança-poesia”,
fica o registro memorável de uma obra de impacto sensorial desconcertante.
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