A filmografia dos irmãos Coen remete a uma espécie de
inventário do imaginário cultural-histórico dos Estados Unidos, em que as
produções que compõem esse conjunto fílmico sugerem se comunicar de maneira
sofisticada e coerente. “Ave, César!” (2016) não foge da tradição desse
particular projeto cinematográfico. Os roteiristas comunistas que sequestram o
astro canastrão Baird Whitlock (George Clooney) parecem parceiros de copo e
debates do dramaturgo enredado pelos ditames de Hollywood em “Barton Fink”
(1991). Já a narrativa e o formalismo fortemente estilizados e de tons retrô demonstram
sintonia com semelhante linha artística proposta em “A roda da fortuna” (1994).
Mesmo a ambientação noturna em que o protagonista Edward Mannix (Josh Brolin)
se embrenha em alguns momentos se liga às influências do noir que já haviam
sidos recriadas de forma extraordinária em “Gosto de sangue” (1984) e “O homem
que não estava lá” (2001). E o teor alucinado das antigas comédias amalucadas
da primeira metade do século XX também guardam conexão com “Arizona nunca mais”
(1986) e “Queime depois de ler” (2008). É de se deixar claro, entretanto, que
“Ave, César!” não se trata de mera reciclagem de ideias e referências. Os
irmãos Coen pegam suas tradicionais obsessões estéticas e temáticas e as
remodelam sob uma perspectiva ainda mais madura e idiossincrática. No ambiente
fictício de filmagens de produções nos estúdios da Capitol Pictures, os gêneros
cinematográficos mais emblemáticos dos anos 40 e 50 (bíblico, faroeste,
musical, melodrama) são recriados em engenhosos pastiches, mas essa
caracterização exagerada de situações e personagens se expande para aquilo que
seria o universo “real” do roteiro, onde o produtor Mannix tem de lidar com um
cotidiano disfuncional de astros tendo chiliques, diretores querendo ver
prevalecer suas ideias artísticas, problemas familiares, ofertas de emprego e
mesmo uma conspiração comunista. Nesse jogo que beira o metalinguístico no
choque entre a fantasia e a realidade, os Coen destilam perversa ironia não só
contra o Star System dos grandes estúdios, mas também contra o ideário moral e
os medos do norte-americano médio. Para isso, valem-se de um formalismo de
registro entre o operístico e o delirante, de uma encenação precisa e do elenco
com algumas atuações maneiristas antológicas (destaque para Alden Ehrenreich como
um boa praça e hilário astro de faroestes). Ou seja, é como se estivéssemos
diante de uma insólita e desconcertante síntese entre Howard Hawks e Fellini.
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