quarta-feira, julho 20, 2016

Ralé, de Helena Ignêz ***

Em sua filmografia como diretora, Helena Ignêz tem se mostrado como uma espécie de herdeira existencial de Rogério Sganzerla. Se “Luz nas trevas” (2010) era uma continuação declarada de “O bandido da luz vermelha” (1968), em sua obra mais recente, “Ralé” (2015), ela cita diretamente outras duas obras emblemáticas do genial cineasta underground, “Copacabana Mon Amour” e “Sem essa, Aranha”, ambas de 1970. Tais citações, entretanto, não se limitam apenas a uma homenagem. Elas se inserem dentro de um espectro maior nessa produção que se configura como um filme-ensaio de Ignêz, em que dentro de uma trama fragmentada e metalinguística a cineasta dá vazão a suas obsessões estéticas e temáticas, num conceito de cinema em que a narrativa tradicional e outros aspectos da linguagem cinematográfica clássica se relativizam. Nessa estranha e experimental concepção artística, elementos de outras artes como o teatro, a literatura e a música se inserem com naturalidade. Além disso, permeia a obra um discurso político, ecológico, cultural e mesmo sexual que serve como uma declaração de princípios da diretora, o que faz com que por vezes o filme pareça um tanto ingênuo no seu texto e encenação. Ainda assim, o que predomina em “Ralé” é uma atmosfera delirante e libertária, e que prende o espectador pela sensualidade e fluidez da interação de seu elenco e pelo descompromisso com o formalismo realista, fazendo com que a pungência e humanismo de algumas sequências antológicas, com destaque para a cena em que Barão (Ney Matogrosso) e seu marido banham e limpam um idoso músico (José Celso Martinez Correa), causem um misto de perturbação de encantamento.

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