Em “A paixão de JL” (2014), fascinante misto de
documentário/ensaio/diário pessoal concebido por Carlos Nader que faz uma
espécie de síntese do imaginário e das impressões intimistas do artista
plástico José Leonilson, há uma presença forte do cineasta alemão Wim Wenders
na narrativa. Tanto que são exibidos trechos de três de seus filmes da década
de 80 (“Um filme para Nick”, “Paris, Texas” e “Asas do desejo”). Isso reforça
como Wenders foi uma influência fundamental na configuração cultural e mesmo
existencial de uma geração de cinéfilos e artistas em geral, tanto por
estabelecer a sua temática recorrente da busca de identidade própria do ser
humano contemporâneo como na consolidação de uma estética que valoriza da mesma
maneira o modo americano quase intuitivo de filmar e o estilo reflexivo e
cerebral tipicamente germânico de conceber a narrativa cinematográfica. Dessa
forma, chega a ser uma curiosa coincidência do destino que a mais nova produção
de Wenders, “Tudo vai ficar bem” (2015), tenha entrado em cartaz ao mesmo tempo
que o filme de Nader ainda estava presente nos circuitos de cinema. Num
primeiro momento, esse acaso pode até ser infeliz para o trabalho recente de
Wenders, no sentido de se fazer inevitáveis comparações e se constatar que ele
é bem inferior às obras citadas em “A paixão de JL”. Há algumas concessões
formais e excessos solenes e sentimentais que comprometem a marca autoral do
diretor. Ainda assim, por alguns momentos Wenders mostra que ainda é capaz de
preservar uma elegância artística na condução da narrativa, conseguindo obter
uma atmosfera estranha e cativante ao contar a história de um escritor (James
Franco) que percebe que extrair inspiração de situações trágicas é um eficiente
recurso literário. Nas mãos de um diretor qualquer, tal história poderia se
converter num simples conto moralista, mas sob o olhar de Wenders ganha
contornos irônicos bem interessantes. A sequência, por exemplo, em que o
protagonista é estapeado por uma rancorosa ex-esposa (Rachel McAdams) é
memorável no seu sutil sarcasmo. Assim, por mais que “Tudo vai ficar bem”
esteja distante de entra numa antologia dos melhores filmes de Wenders, é bem
mais interessante que a hagiografia institucional de “O sal da terra” (2014).
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