Há uma base conceitual engenhosa e contundente que paira
sobre a concepção e narrativa do documentário “Quem é Primavera das Neves”
(2017). O roteiro parte de uma premissa inicial de forte traço pessoal – o interesse
do diretor Jorge Furtado em saber mais sobre quem seria Primavera das Neves,
uma obscura tradutora e poetisa que trabalhou em edições brasileiras de vários
clássicos literários na segunda metade do século XX. Ainda que se vincule,
dessa forma, a uma obra de cunho biográfico, a abordagem do roteiro traz em seu
subtexto um forte caráter humanista, no sentido que vai expondo de maneira
sutil que a formação cultural de sua protagonista, filha de dois anarquistas
europeus que se exilaram no Brasil fugindo de regimes autoritários, evidencia
sensibilidade e inteligência diante de um contexto histórico marcado por
obscurantismo e brutalidade, em que os aludidos traços da personalidade de
Primavera se mostram influentes e encantadores para boa parte das pessoas que
conviveram com ela. Dessa forma, o viés existencial do filme dirigido por
Furtado e Ana Luíza Azevedo ganha especial ressonância ao se relacionar com o
atual e conturbado cenário sócio-político brasileiro e mundial. A complexidade
e ousadia da temática de “Quem é Primavera das Neves” não recebe, entretanto,
um complemento narrativo e formal à altura. A dupla de cineastas responsável
pela produção se contenta com um acabamento convencional e de pouco impacto sensorial,
opção artística essa que fica clara numa edição apenas correta, nas melodias
banais da trilha sonora, na afetação das sequências de declamação com a atriz
Mariana Lima e no excesso de depoimentos um tanto redundantes. Faltou para o
documentário uma pegada estética mais sanguínea e criativa, coisa que Furtado
já mostrou ser capaz de fazer no inquietante “O mercado de notícias” (2014).
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
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