Se em “FilmeFobia” (2008) o diretor Kiko Goifman enveredava
para uma espécie de “mockumentary” (falso documentário) distorcido, em “Periscópio”
(2012) ele continua optando por caminhos insólitos para o seu cinema. No seu
cerne formal, esse filme mais recente parecer usar o teatro como a referência
primeira: o espaço de encenação é reduzido a um pequeno apartamento, só há dois
personagens em cena, a linguagem narrativa se afasta da estética naturalista. Com
o desenrolar da trama, entretanto, tais conceitos vão ficando cada vez mais
nebulosos. Se fosse para citar um gênero de identificação, é provável que o
termo “fantástico” fosse o mais apropriado, pois o delírio e a fantasia
aparecem com frequência. Por outro lado, também representa uma vertente
artística que de forma recorrente aparece no cinema brasileiro: a alegoria política.
Há um certo caráter intimista na abordagem de Goifman ao focar sua narrativa na
relação entre um idoso doente (Jean-Claude Bernardet) e seu cuidador/enfermeiro
(João Miguel). Esse relacionamento também se expande para outras conotações
simbólicas. A relação entre os dois reflete diversos aspectos da surda luta de
classes da sociedade ocidental (com um viés especial para a realidade
brasileira) – ficam sempre presentes algumas dicotomias entre esses dois lados
(religiosidade sincrética e racionalismo, explorador e explorado, juventude e
velhice, ressentimento e hedonismo). Tais dilemas estéticos e formais ajudam a
configurar uma obra hermética e complexa, mas que também traz em si uma forte liberdade
criativa. A partir de um texto sofisticado e de recursos espartanos, Goifman
constrói um espetáculo audiovisual desconcertante, baseado numa encenação que
se equilibra entre o rigor estético e a um certo tom intuitivo, além de um
requinte plástico que explora com inteligência elementos cênicos e trucagens “fuleiros”.
O próprio confronto de atuações entre Bernardet e João Miguel é reflexo dessa
contradição: enquanto o primeiro baseia sua interpretação em algo entre o
aleatório e a “não-técnica” de atuação, João Miguel se entrega a uma possessão
dramática.
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