quinta-feira, setembro 03, 2015

Periscópio, de Kiko Goifman ***1/2

Se em “FilmeFobia” (2008) o diretor Kiko Goifman enveredava para uma espécie de “mockumentary” (falso documentário) distorcido, em “Periscópio” (2012) ele continua optando por caminhos insólitos para o seu cinema. No seu cerne formal, esse filme mais recente parecer usar o teatro como a referência primeira: o espaço de encenação é reduzido a um pequeno apartamento, só há dois personagens em cena, a linguagem narrativa se afasta da estética naturalista. Com o desenrolar da trama, entretanto, tais conceitos vão ficando cada vez mais nebulosos. Se fosse para citar um gênero de identificação, é provável que o termo “fantástico” fosse o mais apropriado, pois o delírio e a fantasia aparecem com frequência. Por outro lado, também representa uma vertente artística que de forma recorrente aparece no cinema brasileiro: a alegoria política. Há um certo caráter intimista na abordagem de Goifman ao focar sua narrativa na relação entre um idoso doente (Jean-Claude Bernardet) e seu cuidador/enfermeiro (João Miguel). Esse relacionamento também se expande para outras conotações simbólicas. A relação entre os dois reflete diversos aspectos da surda luta de classes da sociedade ocidental (com um viés especial para a realidade brasileira) – ficam sempre presentes algumas dicotomias entre esses dois lados (religiosidade sincrética e racionalismo, explorador e explorado, juventude e velhice, ressentimento e hedonismo). Tais dilemas estéticos e formais ajudam a configurar uma obra hermética e complexa, mas que também traz em si uma forte liberdade criativa. A partir de um texto sofisticado e de recursos espartanos, Goifman constrói um espetáculo audiovisual desconcertante, baseado numa encenação que se equilibra entre o rigor estético e a um certo tom intuitivo, além de um requinte plástico que explora com inteligência elementos cênicos e trucagens “fuleiros”. O próprio confronto de atuações entre Bernardet e João Miguel é reflexo dessa contradição: enquanto o primeiro baseia sua interpretação em algo entre o aleatório e a “não-técnica” de atuação, João Miguel se entrega a uma possessão dramática.

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