quinta-feira, novembro 12, 2015

Hacker, de Michael Mann ***1/2

Desde a sua estréia nos cinemas, a trajetória de Hacker (2015) não tem sido das mais festejadas. Grande fracasso comercial nos Estados Unidos, amplamente malhado pela crítica “especializada”, lançado direto em DVD no Brasil. Diante de tais fatos, num primeiro momento, poderia-se afirmar que o filme mais recente do diretor norte-americano Michael Mann é um dos grandes fiascos do ano. Por mais que Mann seja cultuado por um número expressivo de admiradores, não dá para dizer que essa recepção negativa seja uma novidade para ele. Ele não é aquele típico cineasta “respeitável” que com frequência recebe prêmios em festivais, indicações ao Oscar, várias resenhas elogiosas de jornais e revistas. Pelo contrário – alguns de seus melhores filmes tiveram uma recepção inicial fria por parte de críticos e foram sucessos moderados de bilheteria. Essa recepção tem algumas explicações. Mann começou a trabalhar na televisão (mídia considerada menos “nobre”), nunca esteve ligado a uma turma ou movimento cinematográficos específicos (como, por exemplo, Scorsese com o pessoal da “Nova Hollywood” ou Jim Jarmusch na ponta de lança do cinema independente norte-americano) e se vinculou aos gêneros policial e aventura. Para muitos, ele sempre foi visto no máximo como um competente “tarefeiro” dos grandes estúdios. Dentro dessa lógica, sua biografia tem semelhanças com as de outros hoje incensados diretores como John Ford, Howard Hawks e Alfred Hitchcock: a de autores que dentro de uma estrutura convencional de grandes produções comerciais conseguiam expressar uma visão particular e bastante criativa da arte cinematográfica. Filme a filme, Mann construiu uma sólida filmografia que com o passar do tempo passou por reavaliações e se tornou peça chave na compreensão da evolução da linguagem estética do cinema contemporâneo. Em obras-primas como Fogo contra fogo (1995), Colateral (2004) e Miami Vice (2005) se expandiram de forma extraordinária os elementos artísticos mais caros do cinema de Michael Mann: a dinâmica precisa de narrativa, a montagem elegante e moderna que tanto se vale do classicismo quanto de influências inesperadas da estética “video-clipeira” dos anos 80 (fonte de onde William Friedkin também bebeu no seminal Viver e morrer em Los Angeles), a fotografia de notável textura imagética (poucos diretores conseguiram aproveitar de forma tão criativa a plasticidade da filmagem em câmera digital quanto Mann), o uso criativo de canções e temas incidentais na trilha sonora para a construção da tensão dramática, a caracterização sóbria de personagens, o virtuosismo insuperável no registro de cenas de pancadaria e tiroteio. Nesse último quesito, aliás, Mann representa uma verdadeira escola dentro do cinema de ação: enquanto Sam Peckinpah é o mestre da violência em câmera lenta e John Woo se sobressai pelo barroquismo exagerado na concepção da ação cinematográfica, Mann se notabilizou por um realismo conciso e impactante.


Ainda que não esteja no nível artístico do melhor da filmografia de Michael Mann, Hacker é uma obra que está em sintonia com aquilo que faz dele um dos mais importantes cineastas em atividade. Na realidade, é muito mais coerente com o estilo autoral de Mann do que Inimigos públicos (2009), obra essa que se mostrava como uma certa descaracterização do marca estilística de Mann em nome de um academicismo típico do gênero “filme de época” (afinal, tratava-se da recriação dos últimos meses de vida do célebre gangster John Dillinger). Nessa produção mais recente, Mann volta a se concentrar numa temática contemporânea, com uma trama envolvendo jogos de espionagem e terrorismo tecnológico. Aliás, o roteiro de Hacker é o seu ponto fraco, perdendo-se por vezes em alguns clichês baratos que trancam a narrativa. Em um primeiro momento, Mann parece até preocupado em provar ser “moderno” para as plateias jovens, perdendo tempo com algumas trucagens genéricas (as tomadas “internas” em redes de computadores são chatas e desnecessárias). Aos poucos e de forma sutil, entretanto, a narrativa vai se assentando e a sensibilidade e técnica refinadas de Mann afloram com mais intensidade. Ainda que o filme trabalhe dentro dos preceitos esperados de um tradicional “thriller” de ação, pode-se perceber uma série de nuances que o diferencia do que se faz na maioria dos casos dentro do gênero. A caracterização taciturna e de poucas palavras do protagonista Nicholas Hathaway (Chris Hemsworth) é exemplar dessa abordagem, fazendo lembrar o antológico personagem principal interpretado por Alain Delon no clássico francês O samurai (1967). Aliás, o filme de Jean-Pierre Melville é uma boa referência para entender a encenação proposta por Mann – ao invés da narrativa de ritmo frenético, prevalecem cenas marcadas por uma tensão discreta que desembocam em econômicas e vigorosas sequencias de ação. A metade final de Hacker é onde a narrativa entra em definitivo ponto de bala, com Mann extraindo uma fina síntese de suspense cool e violência gráfica, com absoluto destaque para toda a climática sequência de Nicholas enfrentando seus antagonistas a base de porrada, tiros, facadas e sagacidade numa procissão religiosa em Jacarta. Tais momentos, junto à sequência da ópera em Missão Impossível: Nação secreta e a todo Mad Max: A estrada da fúria, representam um dos grandes destaques do cinema de ação de 2015.

Um comentário:

Marcelo Castro Moraes disse...

Hacker é um filme que será melhor reconhecido com o tempo.