Toda a sequência inicial de “Ponte dos espiões” (2015), obra
mais recente de Steven Spielberg, que envolve a perseguição e captura do espião
soviético Rudolf Abel (Mark Rylance), parece uma antítese do que se verá no restante
do filme: é tensa, seca, praticamente não recorre a trilha sonora, valorizando
o bem executado jogo de montagem precisa, virtuosos movimentos de câmera e
enquadramentos expressivos, fazendo lembrar, inclusive, “Munique” (2005), uma
das melhores produções dirigidas pelo próprio Spielberg. Não que na maior parte
da duração de “Ponte dos espiões” não dê para perceber o preciosismo técnico
habitual do cineasta. Muito pelo contrário. O formalismo do filme é responsável
pelo que há de melhor nele, em sua capacidade de seduzir a plateia pela sua
plasticidade e mesmo por uma narrativa acessível. O problema, entretanto, é que
tirando os aludidos primeiros momentos, raramente essa estética consegue fazer
a produção transcender. Spielberg se deixar levar por alguns clichês narrativos
preguiçosos, fazendo com que poucas vezes se consiga sentir uma atmosfera de
tensão mais palpável. A caracterização dos personagens trafega entre o caricato
e o superficial (até o tal espião soviético mais parece um velhinho simpático e
injustiçado do que um espião perigoso), a ambientação e direção de arte são
marcadas por uma assepsia visual e o complexo jogo de interesses políticos que
marca a trama acaba se reduzindo a maniqueísmos e edificantes lições de vida. É
claro que boa parte desses maneirismos temáticos e formais é inerente no estilo
de Spielberg, mas a diferença é que em outros trabalhos mais consistentes eles
conseguiam se adequar de forma mais convincente e orgânica. Do jeitos que
ficaram em “Ponte dos espiões”, tais maneirismos apenas dão a impressão de um
artista acima da média que se acomodou em concepções artísticas mofadas.
Um comentário:
É uma história muito interessante. Ponte dos Espiões marca o retorno de Steven Spielberg à boa forma e ao modo mais gostoso de se fazer cinema: com criatividade e amor pela arte. Como sempre, Hanks traz sutilezas em sua atuação. O personagem nos cativa, provoca empatia imediata graças a naturalidade do talento do ator para trazer Donovan à vida. Mark Rylance (do óptimo Novo Filme Dunkirk ) faz um Rudolf Abel que não se permite em momento algum sair da personagem ambígua que lhe é proposta, ocasionando uma performance magistral, à prova de qualquer aforismo sentimental que pudesse atrapalhá- lo em seu trabalho, sem deixar de lado um comportamento espirituoso e muito carismático. O trabalho de cores, em que predominam o cinza e o grafite, salienta a dubiedade do caráter geral do mundo. Ponte dos Espiões levanta uma questão muito importante: a necessidade de se fazer a coisa certa, mesmo sabendo que isso vai contra interesses políticos ou de algum grupo dominante. A história aqui contada é baseada em fatos reais, mas remete também ao caso recente do ex-administrador de sistemas da CIA que denunciou o esquema de espionagem do governo americano em 2013 e foi tratado como um traidor, mesmo que tenha tido a atitude correta. É uma crítica clara à hipocrisia norte-americana, que trabalha sempre com dois pesos e duas medidas em se tratando de assuntos como esse.
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