segunda-feira, junho 27, 2016

Trago comigo, de Tata Amaral ***1/2

A diretora Tata Amaral já tinha abordado a temática da ditadura militar no Brasil com resultados interessantes em “Hoje” (2011). Em “Trago comigo” (2013), ela volta ao mesmo assunto e com uma visão artística ainda mais ousada e profunda. O filme incorpora maneirismos de cinema documental, com direito, inclusive, a depoimentos reais de ex-guerrilheiros que foram torturados na época. Naquilo que seria encenação ficcional, a direção de fotografia e mesmo a atmosfera também evocam algo de cinema verdade. Como o foco principal da trama está na montagem de uma peça que versa sobre as memórias de um antigo membro de um grupo revolucionário, essa distinção entre o real e o ficcional apresenta uma fronteira tênue, beirando a metalinguagem. Não se trata apenas de exercício estilístico por parte de Amaral – tais escolhas estéticas ampliam ainda mais o impacto existencial da produção, cujo subtexto do roteiro traz uma reflexão sensível e perturbadora sobre a memória, principalmente na sutil linha que separa a lembrança e o esquecimento. Nesse sentido, o discurso do filme traz a constatação desconcertante de que mesmo para aqueles que combateram na clandestinidade e sofreram na própria pele as consequências da repressão há uma tendência em que determinados fatos traumáticos se tornem obscuros e esquecidos. O engenhoso jogo narrativo tramado por Amaral na conjugação ficção-teatro-documentário, aliado ao ótimo elenco (com destaque para a intensa atuação de Carlos Alberto Ricchelli), amplifica o poder sensorial de “Trago comigo” em forçar o espectador a entrar dentro de um complexo e contundente imaginário intimista-político.

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