A diretora Tata Amaral já tinha abordado a temática da
ditadura militar no Brasil com resultados interessantes em “Hoje” (2011). Em “Trago
comigo” (2013), ela volta ao mesmo assunto e com uma visão artística ainda mais
ousada e profunda. O filme incorpora maneirismos de cinema documental, com
direito, inclusive, a depoimentos reais de ex-guerrilheiros que foram
torturados na época. Naquilo que seria encenação ficcional, a direção de
fotografia e mesmo a atmosfera também evocam algo de cinema verdade. Como o
foco principal da trama está na montagem de uma peça que versa sobre as
memórias de um antigo membro de um grupo revolucionário, essa distinção entre o
real e o ficcional apresenta uma fronteira tênue, beirando a metalinguagem. Não
se trata apenas de exercício estilístico por parte de Amaral – tais escolhas
estéticas ampliam ainda mais o impacto existencial da produção, cujo subtexto
do roteiro traz uma reflexão sensível e perturbadora sobre a memória,
principalmente na sutil linha que separa a lembrança e o esquecimento. Nesse
sentido, o discurso do filme traz a constatação desconcertante de que mesmo
para aqueles que combateram na clandestinidade e sofreram na própria pele as
consequências da repressão há uma tendência em que determinados fatos traumáticos
se tornem obscuros e esquecidos. O engenhoso jogo narrativo tramado por Amaral
na conjugação ficção-teatro-documentário, aliado ao ótimo elenco (com destaque
para a intensa atuação de Carlos Alberto Ricchelli), amplifica o poder
sensorial de “Trago comigo” em forçar o espectador a entrar dentro de um
complexo e contundente imaginário intimista-político.
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