Num primeiro momento, “As montanhas se separam” (2015) pode
parecer uma obra em que o diretor chinês Jia Zhang-Ke se volta para uma
linguagem cinematográfica mais acessível e convencional, com o cineasta se
embrenhando em preceitos típicos do gênero melodrama familiar. Tal impressão,
entretanto, é enganadora. Com o desenvolver da narrativa, pode-se perceber uma
sutil e irônica desconstrução de clichês formais e temáticos. A obra é repleta
de truques emocionais e estéticos que por vezes beiram o novelesco. Só que o
tratamento artístico do cineasta na realidade envereda por um misto de
caricatura e simbolismo. Numa trama que envolve um triângulo amoroso e relações
familiares disfuncionais, há um subtexto de forte caráter crítico às mudanças
sociais e existenciais provocadas pelo rápido crescimento econômico da China,
principalmente no que diz respeito ao esfacelamento da identidade cultural de um
povo. A abordagem do filme é tão autoral que no terceiro e final ato da
história irrompe a ambientação de uma sombria ficção científica, sem que isso
soe artificial ou esdruxulo – pelo contrário, pois tal atmosfera futurista
complementa com notável sensibilidade e coerência a proposta de reflexão sobre
uma modernidade desumanizadora. Em sua sequência final, a tomada da
protagonista Tao (Zhan Tao), sozinha e serena em sua cozinha fazendo bolinhos
tradicionais, fecha com atmosfera de atemporalidade uma obra que mistura planos
temporais e gêneros cinematográficos com estranha e encantadora fluência.
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