quarta-feira, junho 01, 2016

Clarisse ou alguma coisa sobre nós dois, de Petrus Cariry ***

Se “A bruxa” (2015) apresenta uma síntese perturbadora entre elementos de filme de horror com uma visão existencial libertária em relação a condição feminina numa sociedade patriarcal, “Clarrise ou alguma coisa sobre nós dois” (2015) também envereda por caminhos semelhantes, propondo enquadrar uma narrativa intimista e de atmosfera sombria no gênero drama familiar dentro de uma estrutura de terror psicológico. O diretor Petrus Cariry demonstra uma propensão para um contundente e sutil jogo de simbologias a esquadrinhar a estranha relação entre a protagonista Clarisse (Sabrina Greve), burguesa e frígida, com seu pai moribundo (Everaldo Pontes), com boa parte da ação se desenvolvendo numa grande casa encravada no meio de uma floresta. A tensão não é extraída de truques manjados de suspense, mas sim de incômodos silêncios, gestuais contidos, olhares expressivos e imagens sugestivas (o corpo velho repleto de chagas, uma masturbação frustrada, a árida pedreira, a densa vegetação da floresta), além de eventuais toques oníricos e delirantes. A encenação meticulosa, com desenvolvimento que remete a influências de tragédia grega, valoriza um roteiro que demole com perversidade a moral pequeno-burguesa, mostrando como sentimentos, traumas e ambição social se relacionam com naturalidade dentro da sociedade capitalista ocidental contemporânea. Ainda que os excessos psicanalíticos possam tornar a narrativa um tanto hermética, é inegável o impacto que algumas soluções temáticas e estéticas tem sobre o espectador, principalmente no ritual de morte do pai e a consequente sequência violenta e sangrenta de sexo que encerra o filme.

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