Se “A bruxa” (2015) apresenta uma síntese perturbadora entre
elementos de filme de horror com uma visão existencial libertária em relação a
condição feminina numa sociedade patriarcal, “Clarrise ou alguma coisa sobre
nós dois” (2015) também envereda por caminhos semelhantes, propondo enquadrar
uma narrativa intimista e de atmosfera sombria no gênero drama familiar dentro
de uma estrutura de terror psicológico. O diretor Petrus Cariry demonstra uma
propensão para um contundente e sutil jogo de simbologias a esquadrinhar a
estranha relação entre a protagonista Clarisse (Sabrina Greve), burguesa e
frígida, com seu pai moribundo (Everaldo Pontes), com boa parte da ação se
desenvolvendo numa grande casa encravada no meio de uma floresta. A tensão não
é extraída de truques manjados de suspense, mas sim de incômodos silêncios,
gestuais contidos, olhares expressivos e imagens sugestivas (o corpo velho
repleto de chagas, uma masturbação frustrada, a árida pedreira, a densa
vegetação da floresta), além de eventuais toques oníricos e delirantes. A
encenação meticulosa, com desenvolvimento que remete a influências de tragédia
grega, valoriza um roteiro que demole com perversidade a moral pequeno-burguesa,
mostrando como sentimentos, traumas e ambição social se relacionam com
naturalidade dentro da sociedade capitalista ocidental contemporânea. Ainda que
os excessos psicanalíticos possam tornar a narrativa um tanto hermética, é
inegável o impacto que algumas soluções temáticas e estéticas tem sobre o
espectador, principalmente no ritual de morte do pai e a consequente sequência violenta
e sangrenta de sexo que encerra o filme.
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