Tudo aquilo que era
insinuado, difuso ou excessivo em “Que horas ela volta?” (2015), o filme
anterior da diretora Anna Muylaert, se concretiza de forma clara e precisa em seu
longa-metragem mais recente, “Mãe só há uma” (2016). A partir de um roteiro enxuto
e de uma narrativa concisa, a cineasta faz um demolidor inventário
sócio-intimista da sociedade brasileira contemporânea. A abordagem emocional e
formal de uma trama que abarca a sexualidade na adolescência e os preconceitos
de classe foge de estereótipos, maniqueísmos e demais facilidades – o filme de
Muylaert transpira ao mesmo tempo raiva e sensibilidade extremas, com a
diretora recorrendo a truques narrativos simples e eficazes. É de se reparar,
por exemplo, como ela contrapõe a encenação fluida e
naturalista do mundo de sexo, drogas e rock and roll que envolve o garoto
Pierre (Naomi Nero) com a pesada ambientação caricata e opressora da sua
família biológica que o acolhe/sequestra. Muylaert ainda se permite recursos
inusitados, que beiram o surreal, como o fato do papel da mãe biológica de
Pierre ser interpretado pela mesma atriz (Dani Nefussi) que também atua como a
mãe adotiva que o sequestrou quando bebê, evocando uma jogada narrativa de
Buñuel em “Esse obscuro objeto de desejo” (1977) – por coincidência, Almodóvar
fez algo parecido no recente “Julieta” (2016). Na realidade, tal recurso
narrativo reforça aquele que talvez seja o grande ponto chave existencial de “Mãe
é só uma” – a ambiguidade, que se reflete tanto na sexualidade livre de Pierre
quanto no questionamento sobre a moralidade hipócrita de uma sociedade que se apega
de maneira ferrenha a leis frias e costumes tacanhos em oposição a uma
perspectiva mais humanista sobre a vida.
Um comentário:
Desde já um dos melhores filmes do ano.
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