quinta-feira, agosto 04, 2016

Tudo sobre Vincent, de Thomas Salvador ***

A máxima do Homem-Aranha/Peter Parker, “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”, na verdade é uma espécie de preceito existencial para a grande maioria dos super-heróis ocidentais e que traz dentro de si a função desse tipo de figura – a de contribuir para manter um status quo sócio-político-econômico. Assim, quadrinhos e filmes no gênero vão trazer um modelo padrão de trama e narrativa (origem em que o protagonista adquire seus poderes e habilidades, tomada de consciência de seu papel na sociedade e ação efetiva contra criminosos e outros tipos de transgressores). Dentro dessa lógica, a produção francesa “Tudo sobre Vincent” (2014) representa uma saudável e desconcertante exceção. No filme do diretor Thomas Salvador, o protagonista Vincent (também interpretado por Salvador) é um pacato zé-ninguém que vive de pequenos bicos no interior da França. Ao descobrir que adquire poderes de superforça quando está molhado, simplesmente decide usar tais dons para facilitar alguns trabalhos braçais e se divertir nadando sozinho em lagos e rios, tendo o cuidado para que outras pessoas não saibam desse fato insólito (com exceção da namorada). Não há desejos megalomaníacos de ser adorado ou dominar o mundo, não existem supervilões ou grandes dilemas dramáticos que o atormentem. Vincent quer apenas ter uma vida tranquila e sem preocupações. A abordagem formal de “Tudo sobre Vincent” se mostra em sintonia com o espírito franciscano do protagonista, prevalecendo uma concepção estética e nuances emocionais sóbrias, não descambando para excessos épicos. Mesmo no terço final, quando Vincent acaba involuntariamente expondo seus poderes e passa a ser perseguido pelas autoridades, com direito inclusive a discretas cenas de ação, esse estilo contido de narrativa é preservado, o que reforça ainda mais o caráter humanista e desafiante da obra de Salvador.

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