A máxima do Homem-Aranha/Peter Parker, “com grandes poderes
vêm grandes responsabilidades”, na verdade é uma espécie de preceito
existencial para a grande maioria dos super-heróis ocidentais e que traz dentro
de si a função desse tipo de figura – a de contribuir para manter um status quo
sócio-político-econômico. Assim, quadrinhos e filmes no gênero vão trazer um
modelo padrão de trama e narrativa (origem em que o protagonista adquire seus
poderes e habilidades, tomada de consciência de seu papel na sociedade e ação
efetiva contra criminosos e outros tipos de transgressores). Dentro dessa
lógica, a produção francesa “Tudo sobre Vincent” (2014) representa uma saudável
e desconcertante exceção. No filme do diretor Thomas Salvador, o protagonista
Vincent (também interpretado por Salvador) é um pacato zé-ninguém que vive de
pequenos bicos no interior da França. Ao descobrir que adquire poderes de
superforça quando está molhado, simplesmente decide usar tais dons para
facilitar alguns trabalhos braçais e se divertir nadando sozinho em lagos e
rios, tendo o cuidado para que outras pessoas não saibam desse fato insólito
(com exceção da namorada). Não há desejos megalomaníacos de ser adorado ou
dominar o mundo, não existem supervilões ou grandes dilemas dramáticos que o
atormentem. Vincent quer apenas ter uma vida tranquila e sem preocupações. A
abordagem formal de “Tudo sobre Vincent” se mostra em sintonia com o espírito
franciscano do protagonista, prevalecendo uma concepção estética e nuances
emocionais sóbrias, não descambando para excessos épicos. Mesmo no terço final,
quando Vincent acaba involuntariamente expondo seus poderes e passa a ser
perseguido pelas autoridades, com direito inclusive a discretas cenas de ação, esse
estilo contido de narrativa é preservado, o que reforça ainda mais o caráter
humanista e desafiante da obra de Salvador.
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