O cinema de Woody Allen representa uma constante reciclagem,
não só de referências alheias como também da própria filmografia do veterano
cineasta nova-iorquino. “Café Society” (2016), numa primeira visão sobre a sua
trama, logo de cara faz pensar em “Tiros na Broadway” (1994), em que o ambiente
boêmio e festivo de artistas se relacionava com naturalidade com o universo do
banditismo de gangsteres. Mas a obra mais recente de Allen vai muito mais além
no seu revisionismo, mostrando que tal aspecto é inerente ao próprio traço
autoral do diretor, ampliando o seu espectro artístico e existencial. O ótimo
roteiro conjuga habilmente elementos de gêneros diversos do cinema clássico
norte-americano, aliando diálogos cômicos espirituosos na linha irmãos Marx,
drama elegante e melancólico na linha “Casablanca”, belos números musicais, tudo
isso embalado por uma encenação primorosa, ágil edição, elenco inspirado e a
direção de fotografia monumental de Vittorio Storaro. E mesmo as sequências que
se voltam para o cinema policial surpreendem pela notável síntese de violência
e humor negro, lembrando alguns dos melhores trabalhos nessa linha de Martin
Scorsese (seria uma homenagem ao colega?). Nesse elemento de obra policial, há
um profundo subtexto sócio-político – a de que a prosperidade econômica nos Estados
Unidos é fortemente ligada a iniciativas empreendedoras de criminosos e
contraventores. E vale ainda mencionar que dos filmes mais recentes de Allen,
talvez “Café Society” seja aquele em que a sua relação de amor com a cidade de
Nova Iorque fica mais em evidência – a trajetória do protagonista nova-iorquino
Bobby Dorfman (Jesse Eisenberg) que volta para a sua cidade depois de se
desiludir em Los Angeles e acaba se tornando bem sucedido profissionalmente em
meio a festas e tiros parece guardar ressonância com a do próprio Allen que nos
últimos tempos andava ambientando suas tramas em outras cidades, inclusive
europeias, e agora volta a filmar em sua terra natal, retratando-a com notável
paixão.
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