sexta-feira, março 11, 2016

A bruxa, de Robert Eggers ****

Se a “Corrente do mal” (2014) fez uma espécie de recriação radical dos clichês do horror moderno, “A bruxa” (2015) vai ainda mais fundo em suas intenções artísticas – a obra dirigida pelo norte-americano Robert Eggers é alienígena em relação a quase todos os preceitos contemporâneos do gênero em questão. Pega-se conceitos básicos como a existência de entidades e criaturas maléficas e sobrenaturais, uma floresta sombria, vítimas isoladas em um lugar ermo, algumas sequências sangrentas. Tais elementos, entretanto, são apenas o ponto de partida para a construção de um conto gótico mais propenso a desfiar uma simbologia complexa e fascinante do que a instigar sustos fáceis no público. A própria parte estética já diz muito dessa abordagem da produção, em nuances diferenciadas como a fotografia de tons esmaecidos, a direção de arte na sua síntese de rigor e ascetismo visuais, a edição de poucos e elegantes cortes. A encenação criada por Eggers é extraordinária em termos de atmosfera e caracterização de situações e personagens, combinando solenidade irônica e sutilezas psicológicas. Com o desenvolvimento da trama, o padrão tradicional de “luta do bem contra o mal” vai se esvanecendo em nome de um retrato atávico da relação conflituosa do homem com a natureza e também de uma sarcástica visão crítica sobre o patriarcalismo e a repressão religiosa. Nesse contexto, o verdadeiro horror não está nas ações da bruxa do título ou na conspiração silenciosa dos animais, mas sim no enlouquecido fundamentalismo cristão familiar que oprime a jovem Thomasin (Anya Taylor Joy). Dentro dessa lógica, a história avança de forma inexorável e com uma desconcertante coerência existencial. Nesse sentido, por exemplo, é antológica a sequência em que o garoto Caleb (Harvey Scrimshaw), um pobre coitado cheio de desejos incestuosos para com Thomasin, se embrenha na floresta e acaba aos pés de uma belíssima feiticeira nua que o beija. E em sua conclusão, no diálogo entre Thomasin e o melífluo Black Phillip (o bode mais carismático da história recente do cinema) e na sua literal e dionisíaca ascensão, “A bruxa” se configura em definitivo como uma das obras mais libertárias a surgir nas telas nos últimos anos.

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