Se a “Corrente do mal” (2014) fez uma espécie de recriação
radical dos clichês do horror moderno, “A bruxa” (2015) vai ainda mais fundo em
suas intenções artísticas – a obra dirigida pelo norte-americano Robert Eggers
é alienígena em relação a quase todos os preceitos contemporâneos do gênero em
questão. Pega-se conceitos básicos como a existência de entidades e criaturas
maléficas e sobrenaturais, uma floresta sombria, vítimas isoladas em um lugar
ermo, algumas sequências sangrentas. Tais elementos, entretanto, são apenas o
ponto de partida para a construção de um conto gótico mais propenso a desfiar
uma simbologia complexa e fascinante do que a instigar sustos fáceis no
público. A própria parte estética já diz muito dessa abordagem da produção, em
nuances diferenciadas como a fotografia de tons esmaecidos, a direção de arte
na sua síntese de rigor e ascetismo visuais, a edição de poucos e elegantes
cortes. A encenação criada por Eggers é extraordinária em termos de atmosfera e
caracterização de situações e personagens, combinando solenidade irônica e sutilezas
psicológicas. Com o desenvolvimento da trama, o padrão tradicional de “luta do
bem contra o mal” vai se esvanecendo em nome de um retrato atávico da relação
conflituosa do homem com a natureza e também de uma sarcástica visão crítica
sobre o patriarcalismo e a repressão religiosa. Nesse contexto, o verdadeiro
horror não está nas ações da bruxa do título ou na conspiração silenciosa dos
animais, mas sim no enlouquecido fundamentalismo cristão familiar que oprime a
jovem Thomasin (Anya Taylor Joy). Dentro dessa lógica, a história avança de
forma inexorável e com uma desconcertante coerência existencial. Nesse sentido,
por exemplo, é antológica a sequência em que o garoto Caleb (Harvey Scrimshaw),
um pobre coitado cheio de desejos incestuosos para com Thomasin, se embrenha na
floresta e acaba aos pés de uma belíssima feiticeira nua que o beija. E em sua
conclusão, no diálogo entre Thomasin e o melífluo Black Phillip (o bode mais
carismático da história recente do cinema) e na sua literal e dionisíaca
ascensão, “A bruxa” se configura em definitivo como uma das obras mais libertárias
a surgir nas telas nos últimos anos.
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