Logo no começo de “Dois disparos” (2014), o jovem Mariano
(Rafael Federman) encontra um revólver por acaso ao remexer ferramentas na
garagem de sua e como se fosse por mera curiosidade atira duas vezes em si. Sem
maiores explicações, sobrevive. A partir dessa premissa, o esperado seria um
denso drama a investigar as misérias existenciais do garoto e daqueles que o
cercam que o levaram a praticar o ato tresloucado. Só que no universo do
diretor argentino Martin Rejtman o direcionamento narrativo e temático parece
obedecer a uma lógica bizarra e particular. O evento da tentativa de suicídio
de Mariano desencadeia uma sucessão de fatos aleatórios, quase desconexos, em
que o foco da trama a todo momento se desvia para caminhos estranhos e por
vezes encharcados de um humor esquizoide. As regras tradicionais de um roteiro “arredondado”
a todo momentos são subvertidas em nome de soluções criativas desconcertantes.
Além disso, Rejtman cria uma constante atmosfera de distanciamento emocional
perturbador, em que os personagens demonstram em diálogos, expressões e gestos
uma apatia irônica em suas interações sociais. Nessa conjunção de insólitos
maneirismos estéticos e narrativos resulta uma obra marcada por um extraordinário
teor surrealista e também uma corrosiva e sutil crítica aos costumes pequeno
burgueses, algo entre o ascetismo formal de Bresson e o onirismo sarcástico de
Buñuel.
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